A RARIDADE DAS COISAS BANAIS(texto)

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— Como te chamas?
— Pechimperé.
— Mas isso não é um nome.
— Pois não. Mas fez-te sorrir, não fez?

Acho que os adultos levam a vida demasiado a sério. O grande objectivo da vida é rir. Pelo menos, o meu. Os adultos não entendem muito bem esta minha maneira de ver a vida, dizem que é – é esta a palavra que eles usam – inconsequente. No outro dia, ia ver ao dicionário o que queria dizer mas pelo caminho encontrei o Zé Pedro e ficámos os dois a brincar. Foi uma tarde de grande risota. Ele escondeu-se na casa da avó dele, a senhora Ivone, e quando demos por nós já estávamos os três a procurar-nos uns aos outros. A vida é tão simples: basta procurarmo-nos uns aos outros para sermos felizes, não é?

— És um bocado escaganifobético.
— O que quer isso dizer?
— Não sei. Mas fez-te sorrir, não fez?

Os adultos levam o amor demasiado a sério. Pensam nas razões que os levam a amar, pensam se devem ou não abraçar, se devem ou não beijar, se devem ou não dar as mãos e correr e saltar e colocar a língua de fora. O amor ou é não pensar em nada ou, se calhar, não é amor nenhum. Eu amo a minha família toda e os meus amigos todos. Quando estou com eles, penso muito pouco, mas não digam a ninguém.

— Já vi que amas.
— Porquê?
— O teu sorriso não passa.

Os adultos levam a tristeza demasiado a sério. A palavra sorriso faz-me sorrir. A palavra sorrir faz sorrir toda a gente, na verdade. Experimentem lá dizer sorriso e vejam se não estão já a sorrir. Quando estou menos feliz, faço sempre isso: ponho-me em frente ao espelho a dizer a palavra sorriso e num instante já estou mesmo a sorrir. Mas não pensem que a tristeza não existe. A tristeza existe. Às vezes acontecem coisas que nos fazem ficar adultos por momentos. Coisas que nos fazem pensar e pensar e pensar. Mas não há no mundo nada mais poderoso do que a brincadeira.

— O que te assusta mais, filho?
— Perder os sonhos.
— Pensei que era a morte.
— Foi o que eu disse.

Os adultos levam a realidade demasiado a sério. Os sonhos são a melhor parte da realidade, só um adulto não vê isto. Quando deixo de sonhar, deixo de viver. Ontem acordei e demorei dois segundos a procurar um sonho. Foram os dois piores segundos da minha vida inteira.

— Parabéns, mamã.
— Porquê?
— Por teres acordado.

Os adultos levam as celebrações demasiado a sério. Só celebram de ano a ano ou quando alguém ganha um prémio qualquer ou tem um trabalho novo. São tão limitados, pobres coitados. Eu e o Zé Pedro adoramos celebrar. Há bocado fizemos uma festa para comemorar o primeiro macaco que ele conseguiu tirar do nariz hoje. A vida pode ser apenas a existência de macacos no nariz e, mesmo assim, é tão boa, não é?

— Não gosto de adultos, mamã.
— Porquê?
— São demasiado imaturos.

A chave da felicidade é ficar longe de idiotas, certo? Os adultos levam o tempo demasiado a sério. E é por isso que o perdem de uma forma infantil. Inventam complicações, pensam que não conseguem o que tanto querem e de tanto pensarem que não conseguem não conseguem mesmo, ficam parados diante dos obstáculos. Eu e o Zé Pedro ontem conseguimos passar um obstáculo de quatro metros. Trepámos a uma árvore, depois pusemo-nos às cavalitas um do outro e não demorou mais de dois ou três minutos para um de nós estar do lado de lá. O segredo da vida é tantas vezes trepar a uma árvore e depois usarmo-nos uns aos outros às cavalitas para ultrapassarmos os obstáculos. Só os adultos não sabem disso. Eu já fui adulto, sabem? Mas depois cresci.

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