Ocean soul

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*jagi = querido (a)

Avisos: homofobia, violência doméstica.


Eu comecei a sentir tudo como da primeira vez em que caí no mar: a dormência nos músculos, a queimação quase insuportável no pulmão e a pressão que ameaçava me esmagar. Era difícil suportar, contudo eu sabia que era a única forma de pertencer, de escapar. Por isso relaxei e deixei os braços do oceano me carregarem para onde quisessem, tendo em vista que onde quer que fosse, eu finalmente estaria liberto.

No vai e vem eu senti um puxão forte, eu devia estar em um ponto em que as ondas quebram, no entanto, para minha surpresa, eu emergi; sentindo a brisa fresca, um aperto forte no braços e tapas leves no rosto.

Eu estava quase apagado, por isso demorou um pouco para que aquelas sensações passassem a fazer algum sentido. Só quando eu fui sacudido que o meu nome chegou aos meus ouvidos, em um timbre do qual eu me lembrava bem e eu abri os olhos.

Não tinha certeza se podia confiar nos meus sentidos, mas parecia ele mesmo quem estava ali, com os cabelos vermelhos como fogo, pele dourada, e olhos verdes brilhando em preocupação e alívio ao mesmo tempo. Uma beleza transcendente, exatamente como eu me lembrava.

— Oh, jagi — pronunciou de forma a transparecer alívio. E me puxou para si em um abraço. — Por que você fez isso? — disse, ainda me envolvendo. Ele rodeou totalmente um dos braços na minha cintura e, com o outro, segurou minha cabeça por trás, empurrando-a até seu próprio ombro como se quisesse que eu a repousasse ali. Sem precisar de outro convite, foi o que eu fiz.

A pele do tritão, ao contrário do que eu pensava, tinha uma temperatura morna, agradável, e a textura da cauda que vez ou outra esbarrava nos meus pés, não era áspera. Ele parecia sentir que eu precisava daquele acolhimento, pois ele me apertou ainda mais contra si e eu finalmente senti que poderia abraçá-lo de volta, chorando as lágrimas balsâmicas de alijamento.

Foi-me permitido ficar ali por bastante tempo, enquanto tinha os meus cabelos tocados com leveza, em um carinho inédito até então.

O rapaz só me afastou quando eu me mexi para coçar os olhos que ardiam.

— Por que você ia desistir, jagi? — perguntou com um olhar triste. — Você não está sozinho, não mais.

— Você tem me observado? — O tritão assentiu. — Eu senti, mas não o vi. — Joguei um pouco de água no rosto em uma tentativa de ficar mais apresentável.

— Eu não costumo ser descuidado. Nós não podemos ser vistos, isso causaria problemas. Muito menos ter contato com algum humano, pois isso cria um vínculo, por isso é fácil te achar. — Ele sorriu.

Era dessa ligação que vinha, então, a sensação de que não éramos estranhos um ao outro, do porquê ele me visitava em sonhos.

— Me desculpe por isso, não foi minha intenção entrar na sua vida e na sua cabeça dessa forma, mas eu não pude te deixar lá, ainda mais quando você foi o único entre eles que tentou salvar meu amigo.

O golfinho era amigo dele então e pensar nisso provocou um sorriso, era encantador.

— Você não precisa se desculpar, eu deveria fazer isso, afinal você me salvou... duas vezes... — Deixei a voz morrer no final, eu estava com vergonha.

— Ei — falou suave, levantando meu queixo com a ponta dos dedos. — Agora está tudo bem, só não se machuque mais, por favor.

Foi inevitável não marejar os olhos mais uma vez. Crispei os lábios na tentativa de segurar o choro.

What the water gave meOnde histórias criam vida. Descubra agora