Sussurros na escuridão

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Sussurros na escuridão

Pricila Elspeth

A porta de ferro rangeu e o som metálico ecoou escadaria abaixo alertando os ocupantes do recinto. Os passos chapinhados desciam num ritmo descompassado e a respiração lenta e pesada denotava a identidade do infeliz atrasado.

'A cripta' era o lugar onde todos eles se encontravam após uma difícil tarefa de limpeza. Cada um deles fora escolhido por conta de suas habilidades especiais únicas e também por conta de uma extensa lista de dívidas. O lugar era escuro, frio, úmido, bolorento, decorado com pichações, teias de aranhas, musgos e insetos; um local aterrador para a maioria dos seres, mas não para eles, os enjeitados, para eles, qualquer lugar distante do lago borbulhante era o paraíso.

O indivíduo de pés chatos caminhou até um lugar vago e sentou-se ao redor da fogueira, fechando assim o círculo. Cada integrante da equipe de limpeza vestia um uniforme com uma identificação, cuja qual, ninguém conseguiria ler, pois tratava-se do nome do pobre miserável; ninguém além dela.

Ela, como eles a chamava, tinha um nome, mas era constantemente chamado por seus epítetos em uso. O infame nome era lembrado, temido e sussurrado na escuridão como forma de aviso, de ameaça e até de despedida. Um nome que não era pronunciado a esmo; com exceção das pessoas comuns, que o largavam como um cão gordo larga o osso ainda com lanhos de carne.

Os olhos do indivíduo atrasado buscaram a ínfima, pálida e bruxuleante chama que reluzia timidamente no meio do círculo de corpos estranhos; excêntricos talvez soasse melhor se por acaso fosse esse o caso, mas não era.

— Você está atrasado de novo Ramires... — balbuciou a fêmea do outro lado do fogo, cuja qual possuía uma cabeleira rosada e unhas azuis tão brilhantes quanto um cristal.

— É, estou — sussurrou o diabrete, que recebia o codinome de Ramires. — Hoje não foi nada fácil. Tive de limpar a sala de atendimento dela, e o local estava coberto de sangue, fezes e tripas.

— Cara, que irado! — disse a fêmea abrindo um largo sorriso. — Deve estar o maior satisfeito, né não!?

— Sim Daisy, mas não por conta disso. Estou satisfeito por sanar uma curiosidade antiga, mas também atormentado por isso.

— Chamaram-te de volta, caríssimo amigo? — perguntou Loah, o diabrete de pele azulada e chifres serrados.

— Quem me dera! — Ramires balançou a cabeça e retirou do bolso um pedaço de pano encharcado de sangue. Observou os olhares atentos sobre o tecido e o atirou no fogo, instantaneamente as chamas cresceram e brilharam intensamente, projetando as sombras dos corpos demoníacos nas paredes e afastando todo e qualquer ser que não tivesse se originado no inferno. — Eu a vi.

Todos os rostos ao redor das labaredas rubras retorceram-se transformando-se em verdadeiras carrancas. Cada olhar sobre Ramires despejava sobre ele algo diferente: dúvida, medo, deboche, escárnio e incredulidade total eram algumas das expressões percebidas.

— Tá mentindo! — vociferou Língua-de-trapo apontando o dedo para Ramires e gargalhando debochadamente.

— Não tô não. Se duvida eu aposto uma semana com você.

— Fechado. Diz aí, pra todo mundo aqui, como ela é? — desafiou Língua-de-trapo.

Ramires olhou para o diabrete dourado com quatro línguas se agitando para fora da boca e suspirou pesadamente. Deu de ombros e começou seu relato.

As Aventuras de Pel AmanaOnde histórias criam vida. Descubra agora