O início de um encanto

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Bem do alto das suas pernas compridas, Alejandro procurava alimento. A ilha estava quase silenciosa. Enquanto caçava coelhos e gambás, seus pensamentos voavam da floresta densa para o riacho próximo a praia. Depois de matar sua fome, seu desejo era matar a sede. E os seus pensamentos eram mais rápidos que o seu corpo. 

No litoral lindo e agitado brasileiro, Alejandro estava de certa forma habituado com as embarcações estrangeiras e com os nativos caiçaras. Homens brancos, estrangeiros, chegavam e partiam. Com seus queixos empinados exalavam superioridade em suas roupas e barcos. Em sua maioria, eram homens, dominados pelo desejo de conquista. Almejavam conquistar territórios novos, madeira, cana de açúcar. Desconheciam os mistérios daquelas matas. Confiavam em suas armas e invenções para controle de outros povos e animais. Desejavam povoar e explorar as terras brasileiras. Mas retornavam aos seus territórios levando a riqueza que lhes parecesse possível carregar. Inventavam histórias sobre o como era fácil e divertido desbravar outras terras e ao retornar para suas casas presenteavam suas famílias. 

Os caiçaras, por outro lado, contavam de geração em geração suas histórias ao redor de fogueiras. Acreditavam no poder do fogo, do sol, da água, da terra, do ar, da mente, da alma e do coração. Ensinavam suas crianças a se esconder do perigo dos homens brancos. As mulheres eram em maioria curandeiras que conheciam as espécies de plantas, os animais, e cuidavam umas das outras. O instinto era quem guiava os povos indígenas que habitavam aquele litoral mágico por natureza. 

Alejandro estava próximo a completar 20 anos vivendo naquela mata. A cada ano que passava, aumentava a frequência dos europeus e os conflitos nas regiões costeiras. Ainda assim, as índias se reuniam e resistiam, caçavam, e conheciam a maré, a lua, as raízes e troncos de cada árvore. 

Naquela época, começaram a isolar homens na ilha como castigo e punição. Aqueles perigosos e mal vistos na Europa deveriam então sobreviver na floresta brasileira. 

E foi assim que Alejandro, muito observador, conheceu alguns homens que chegavam e não partiam levando o que pudessem, mas ficavam e aprendiam caminhos e mistérios da mata. Sobreviver ali, ao redor do mar cor de esmeralda, e das areias alaranjadas que se misturavam com a terra e as plantas se tornou um refúgio. Na verdade, muitos navegadores cansados de sua vida na cidade até cogitavam a ideia de não voltar para casa. Bom, também não conheciam como realmente era a vida naquela selva. Muitos tinham suas vidas tomadas pelos nativos em conflitos. 

Os índios mais antigos eram sábios guerreiros e além das pinturas de urucum em seus rostos, carregavam em si o sangue dos seus inimigos. Era uma prática comum entre os nativos: poderiam matar, desde que fosse para se alimentar. E isso valia para todas as espécies. Era uma prática habitual e após a disputa pela sobrevivência, o guerreiro vencedor se alimentava e a carne e o sangue recarregavam a força e a energia despendida na batalha. 

A mata era feita de caminhos pisados pelos diferentes povos que habitavam aquela região. Para Alejandro, as pedras, troncos e plantas altas eram bem mais divertidos. Saltava, caçava, corria, nadava ... Satisfeito com sua refeição, corria floresta adentro, parava para vislumbrar os pássaros e encerrava seu ritual com mergulhos do rio até a praia, da praia até o rio. Apreciava os índios e as índias, sua força, sua beleza natural, e, mesmo assim, sua solitude era preciosa. Gostava de passar tempo em silêncio, escutando os barulhos da floresta, ventos, pássaros, macacos, as ondas quebrando na areia e os riachos escoando nas pedras. 

A presença de outros animais, dos indígenas, dos europeus exilados, aparentemente estava como de costume. Alejandro sentia necessidade de estar só, mesmo com a movimentação ao seu redor. Haviam distintas aldeias em uma região antes conhecida como Ipaum Guaçú. Em maioria caiçaras, algumas índias de tribos menos violentas enamoraram-se dos poucos estrangeiros mansos que habitavam o local e ensinavam sobre armas, objetos, roupas e conhecimento náutico em troca dos conhecimentos nativos e de madeira avermelhada. 

Alejandro escutou vozes distintas e o vento trouxe barulhos que não pareciam familiares. Desconfiado e com cautela, percorreu a margem de areia. Ainda úmido, se sacudia, quando avistou a chegada de homens brancos com roupas claras e botas escuras e compridas. Estava em uma proximidade segura, razoável, em que podia enxergar melhor do que ser enxergado. Escondido entre a vegetação, algo captava seus pensamentos. Atento, procurava a origem de uma essência tão doce. Seu instinto selvagem detectou uma mulher de cabelos escuros, pele clara, e olhos bem largos. 

Alejandro espiou por minutos a jovem mulher que servia aos tripulantes da embarcação. De longe, reparava nos detalhes esculpidos da caravela que parecia ter mais de trinta metros de comprimento. Quando escoltada por um tripulante, a moça adentrou a mata buscando por ingredientes frescos. Alejandro prestava atenção na direção dos demais homens que haviam saído do barco enquanto sentia o perfume baunilha cada vez mais forte. 

De perto, enxergou uma jovem delicada que tentava arrancar algumas bananas sem sujar o longo e cheio vestido. Com suas habilidades nativas, pulou na bananeira fazendo todo o cacho de banana despencar levemente do galho que estava inclinado para perto do chão com sua força. Chegou para trás, se sentou em uma rocha e esperou, com olhar felino de quem não queria assustar. Enquanto conseguia sentir a surpresa e espanto da garota, Alejandro pensava, fique à vontade. 

- Petra - um homem dizia próximo ao ouvido da jovem enquanto a encostava por trás.  

 E aquele nome ecoava nos pensamentos de Alejandro. Petra de olhos escuros largos. Mas foram dissolvidos pelo nervosismo que ela destilava naquele momento ao empurrar o tripulante e desviar com as bananas. Naquele segundo, Ale abaixou a cabeça erguendo a coluna com pelagem eriçada. O olhar gentil havia ido embora quando mordeu a perna do homem com  força e soltou, em aviso. O tripulante ficou assustado com o felino selvagem. Que ronronou ao passar por Petra encostando em sua perna amigavelmente enquanto ouvia seu coração bater forte e seus pensamentos de alívio. 

Há muito tempo Alejandro não sentia nenhuma conexão. Não eram apenas as notas doces que podia farejar mas também captava os pensamentos de Petra, e já conhecia sua voz sem ter realmente escutado. Ficou interessado ao descobrir o nome da jovem tão cheirosa, mesmo diante de um homem tão desagradável. 

Petra voltava para a margem da praia enquanto pensava se contava ou não o que havia acontecido, sobre como o tripulante a havia tratado de maneira pouco respeitosa. Reencontrou seu noivo e Capitão da expedição ao terminar de recolher frutas.  E os pensamentos voltavam para a floresta onde de uma maneira que experimentava sentir pela primeira vez em sua vida, conseguia ouvir a voz de alguém em sua mente. - Petra. Doce. Encanta. - Aquela voz masculina rouca que invadia a cabeça da portuguesinha se encaixava perfeitamente com aqueles pêlos pretos e brancos e aqueles olhos verdes profundamente felinos.

Sacudia a cabeça fechando os olhos em um pedido de silêncio a si mesma. Petra servia aos tripulantes as bananas enquanto se esforçava para não pensar no gato e ouvia dos homens os comentários sobre aquelas terras. Morenas, índias, animais, ouro, cana e madeira. E Petra continuava intrigada com ter escutado a voz de um animal em seus pensamentos. E ter se sentido em segurança, protegida por um estranho gato.

A gata da Vila de Três Reis Onde histórias criam vida. Descubra agora