Alejandro estava muito cansado. Precisava dormir um pouco. Mesmo à luz do dia. Rodeou a praia da Vila em que ficava o porto e avistou distante uma mata densa. Podia ouvir os europeus conversando em uma banqueta próxima à praia. Passou despercebido por eles pelo caminho, subindo em direção à parte mais alta da mata. Não queria ouvir aqueles assuntos. Na verdade, ainda bem que tinha voltado ao seu corpo de gato. Não queria como espanhol ainda ter problemas com aqueles portugueses. Além do problema já criado anos antes com os nativos quando Uyara desapareceu.
Enquanto celebrava sua sorte em pensamento, algo estranho acontecia. Sentiu que estava sendo observado. Era uma paisagem muito parecida com a da Ilha, se não fosse o maior número de pessoas e casebres na parte baixa da terra que rodeava as praias. Também tinham riachos que cortavam a floresta. Parou para beber água em um desses riachos, enquanto procurava por um lugar que parecesse seguro e aconchegante para recarregar as energias despendidas na travessia. Olhava ao redor, mas não encontrava nenhum animal ou pessoa que estivesse por ali. Além dos sons de macacos, aves, cobras, nada parecia muito perto.
Alejandro matou sua sede e preferiu descansar um pouco do que caçar em terras que não tão bem. Havia um pé bem alto de fruta-pão, conseguiu subir com algum esforço e se ajeitou no galho. Fechou os olhos suavemente, e descansou por alguns minutos, inerte entre folhas e vento.
Capitão Vitório retornou à Caravela, mas não reparou em nada diferente. Comprimentou sua esposa. Petra estava balançada, encantada com um gato ter lhe devolvido seu colar. Adorava a sensação de ter conversado com um animal. Mas de certa forma, sentia-se perdendo. Uma parte daquela portuguesa havia retornado aquelas terras somente para reencontrar aquele gato. E agora não tinha mais sentido aquela aventura. Uma parte da Petra jovem e com desejo de liberdade ficava para trás, perdia-se em detrimento da construção da sua relação com o Capitão Vitório. Sabia que levaria o gato em sua memória, aquele encontro, aquele encanto.
A caravana com a tripulação do Comandante Navarro juntamente com os tripulantes resgatados do Comandante Valentim retornou à Portugal. Depois daquela viagem, Petra não quis mais acompanhar o Capitão. Amava a casa em que moravam, e começava a se abrir para a ideia de ter filhos. Aos poucos, Petra começou a sentir desejo por Vitório, tinham uma aliança. Não era uma paixão avassaladora, mas era melhor que o esperado, um homem que a respeitava, que estava com ela dia após dia, a desejando.
Petra amava o conforto da sua vida com o Capitão Vitório, mas sempre dizia ao marido o quanto aquelas terras eram lindas e os animais especiais. Preferia não estar realmente a par dos detalhes da colonização. Sabia no fundo de seus pensamentos que como uma portuguesa, agora nobre, ainda não teria muito o que fazer pelo bem daquelas terras. Não poderia se meter naqueles assuntos, se intrometer nas decisões do Capitão ou de seu Comandante. E se não podia fazer o que lhe parecia justo, preferiu se abster por completo. Nunca mais acompanhou seu esposo ao Brasil, mas guardou consigo lembranças do gato.
Petra ia se afastando da Vila enquanto via aquele pedaço de terra desaparecer da caravela. Sentia um vazio em si, talvez a frustração, a melancolia da despedida. Mas tentava se concentrar no cheiro do mar, no vento beijando seus cabelos pretos. Na sua mente viu de novo o gato, e beijou o seu cordão, guardando gratidão pela aquela história que um dia poderia contar aos seus filhos.
Alejandro acordou. Abriu os olhos quando sentiu a índia tocar-lhe. Saltou de susto. Caiu da árvore. No sonho, o rosto de Uyara assombrava Ale suspirando palavras que ele tentava e não conseguia ouvir. O toque parecia tão real. Embaixo da árvore, pulou e bateu forte em um galho para que caísse uma fruta. Ao cair da distância alta, a fruta partiu. Alejandro sentou e foi prontamente se alimentando. Claro que por maior que fosse, aquilo somente não o iria alimentar. Estava anoitecendo. Pensou ter visto dois olhos vermelhos na mata, mas não os encontrava novamente. Respirou fundo. Tragou um odor canelado. Hora de retornar à Ilha ele pensou. Definitivamente não queria arrumar problemas.
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A gata da Vila de Três Reis
Historical FictionA história é ambientada na época em que os estrangeiros chegam à Angra dos Reis, há séculos atrás, onde viviam índios perigosos. Amor. Atração. Aventura.