Conflito na Vila de Três Reis

6 1 0
                                    

Petra viu que entardecia e terminando de torcer os panos os ajeitou na cumbuca. Sorriu para Alejandro. - Adorei te conhecer. Gato. Alejandro. - sua mente soltava. - Adorei te reencontrar. Humana. Petra. - Pensava Ale como um roteador. 

Segurava seu vestido com uma mão para não tropeçar no pano e nas pedras. Retornou para a margem do rio e antes de abordar o tripulante olhou para trás. Piscou os olhos devagar. E Ale havia sumido mata a dentro. Há quilômetros de distância, Ale escutava o som dos armamentos portugueses. Conhecia o barulho dos canhões. Partiu rapidamente, depois de olhar para Petra como quem se inspirava pegando fôlego.

-Vamos? 
-Sim. Qual será a nossa estratégia?
-Que estratégia? Indagou Petra ao tripulante. -Quero dizer. Você sabe que temos um motivo para estar aqui. 

Os dois seguiram se aproximando da caravela em silêncio. Petra ficou pensativa. De fato, não estavam ali a passeio.  

As revoltas cresciam. Mais portugueses chegavam pelo litoral. Queriam explorar o potencial econômico das terras, controlar e usar o trabalho indígena. Os nativos a cada dia perdiam a sua liberdade de ser.

Aqueles índios eram perigosos, caçadores, mergulhadores, pescadores de linha, conheciam toda extensão das margens e dos interiores da Ilha e suas redondezas. Diversas tribos enfrentaram os colonizadores. Alguns nativos se uniam a europeus não colonizadores. Alguns degredados perigosos refugiados e outros. As disputas se tornaram constantes. 

Alejandro poderia parecer para Petra um pequeno felino. Em circunstâncias cada vez mais frequentes de confrontos, Ale acabava participando. Ao lado dos nativos, defendeu crianças e mulheres. Atacou como um animal sem piedade. Destroçou alguns portugueses em nome daqueles que dividiam com ele aquela preciosa natureza. Lutou pelo que acreditou correto, não quis deter seu instinto protetor. 

Naquele dia, mesmo com a presença de outros portugueses em outra praia próxima, Alejandro queria desfrutar de silêncio. Percorreu uma distância grande rapidamente enquanto descarregava sua energia rumo à parte mais alta daquela faixa da floresta. Afastado das aldeias e praias, conseguia prestar atenção em si mesmo e domar seus pensamentos enquanto passava aceleradamente entre inúmeros e altos bambus. 

Uma chave virou na cabeça do gato. Cercado agora de palmeiras, bananeiras e árvores antigas que compunham o topo da mata densa em contraste com o bambuzal que fechava a parte média. Ale subiu na árvore e sentado no galho deixou seus olhos quase fecharem enquanto sentia uma energia de paz. Um vento fresco. Por um momento, sentiu-se sortudo com toda aquela paisagem. Conseguia dali enxergar mais que algumas praias, amava aquela Ilha.

Via um lugar mágico. E do horizonte esbranquiçado lembrava mais uma vez daquele anel no dedo de Petra. Ela havia se casado. E mais uma vez se lembrou de Uyara. E conseguiu vislumbrar o quanto sentia por ter desejado uma vida de pequenos luxos na Espanha. Não se enxergava mais longe daquela terra brasileira. 

Pesou em seu coração. Sem notícias da índia que um dia havia sido sua companheira. Daquela a quem seu coração humano não conseguiu amar profundamente. 

Como um gato, foi mais fácil mudar sua opinião sobre aquele lugar, aquele povo nativo. Aprendeu a amar, sobretudo estar na natureza. Aqueles tons de verde mata tinham cheiro de casa. Aquelas rochas eram cada uma única em sua natureza e simplicidade. Teve tempo ao longo daqueles anos para mapear mentalmente toda a Ilha com sua rapidez e astúcia felina. Conhecia cada praia. Cada pedra. 

Alejandro não conseguia não pensar no seu passado depois de ter visto o anel da portuguesa. Casamento. União. Aliança. Amor. Estava incomodado mas não o suficiente para espreitar os homens da caravela em busca do marido de Petra. Permaneceu no galho. Antes que anoitecesse, retornou para sua toca e adormeceu. 

A gata da Vila de Três Reis Onde histórias criam vida. Descubra agora