Embarcaram em uma manhã ensolarada e após dias seguidos de viagem em mar revolto atracaram na costa brasileira.
Enquanto os tripulantes se dividiam e se espalhavam mata adentro, Petra disfarçou e seguiu caminhando colhendo ervas nas margens da praia com a floresta. O Capitão estava ocupado realizando os ajustes necessários no barco após a viagem de ida. Petra tentou dominar seus pensamentos, mas sua mente desenhava aquele gato de peito e patas brancas envoltos por pêlos pretos longos. Aquela voz mansa, baixa e masculina. A portuguesa pensava naquela outra breve ida à Ilha, mas não reconhecia onde poderia ter encontrado o felino. Colheu capim limão e retornou para preparar um chá aos tripulantes. - Estou aqui ela pensava.
Alejandro estava dormindo em uma rocha no sol, quando escutou duas crianças caiçaras correndo de volta da praia enquanto falavam: os homens brancos. Estava acostumado com a movimentação, e a cada expedição que ficava sabendo pela Ilha, ia espreitar com esperança de rever a moça branca dos cabelos pretos. Dessa vez, escutou sua voz suave anunciar. - Estou indo, disse o gato em pensamento.
A chegada dos europeus era sempre marcada pela tentativa de domínio sobre os nativos e pela retirada de proveito em suas terras.
Naquele dia, o gato sabia que ela havia retornado, conseguia farejar o cheiro de suor com baunilha no ar. Ale sabia que, como um gato selvagem, não poderia oferecer muito para uma jovem mulher. E pela primeira vez em tanto tempo, sentiu-se cansado da solitude.
Era uma vida cheia de diversão e aventuras pela floresta, em busca da paz e apreciando estar sozinho. A individualidade felina era tudo que um dia ele havia desejado.
Naquele dia, ao rever Petra de longe, escondido entre as folhagens, desejou amar e ser profundamente amado. Silenciou seus pensamentos.
De longe, Alejandro havia observado o brilho no dedo anelar da mão direita de Petra, e dentro do seu coração uma pequena luz piscou. Recuou para a mata, e se recolheu para sua toca. Um pequeno recuo entre alguns coqueiros e cogumelos cercado por muros discretos de pedras com musgo, cipós e outras árvores que escondiam o acesso ao esconderijo aconchegante.
Petra poderia partir a qualquer momento, ainda assim, Ale preferiu estar sozinho e pensar antes de se aproximar novamente daquela humana cativante. As orelhas triangulares apontavam para o alto e para fora, debruçado em um almofadado de tronco e folhas, cabisbaixo enrolado em sua cauda.
Ale saltava em seus pensamentos relembrando como havia ido parar ali. Então se lembrou de uma noite.
Aquela que dividiu sua vida de espanhol fugitivo e sua vida como um gato selvagem.
No seu aniversário de 25 anos, o espanhol havia planejado uma expedição pela costa brasileira. Acontece que, no caminho, alguns tripulantes não resistiram às tempestades e difícil navegação em mar revolto, morrendo afogados. Os poucos remanescentes não conseguiram parar a embarcação ao norte, e acabaram por acidentalmente parar nas terras ao sul.
Foi quando se envolveu com uma jovem índia. A embarcação estava precisando de reparos. Alguns tripulantes também precisavam de atenção médica. Alejandro conseguiu com suas boas palavras e jeito gentil a ajuda de uma tribo próxima. Lá viviam muitas índias bonitas. Alejandro acabou por aproximar-se da que mais lhe chamava atenção. Aquela que não deixava seus olhos encontrarem com os dele. Que estava sempre pela floresta caçando. Foram apaixonados. A índia era uma menina que amou com todo seu coração, enquanto o espanhol viu crescer seu desejo em retornar à Espanha levando novas riquezas. Em uma noite, fizeram uma fogueira. Em frente ao fogo, o espanhol Alejandro Santiago, jurou seu coração à jovem índia Uyara Aya, ainda que não fosse sua verdadeira intenção unir sua vida à dela. Nessa noite, celebraram. Um brinde. Um chá. Um ritual.
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A gata da Vila de Três Reis
Ficción históricaA história é ambientada na época em que os estrangeiros chegam à Angra dos Reis, há séculos atrás, onde viviam índios perigosos. Amor. Atração. Aventura.