❅ Capítulo 1 ❅

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A brisa estava fria, o que era compreensível, estava nevando. A neve salpicava meu rosto e meus cabelos fazendo com que minhas bochechas ficassem anestesiadas. Essa noite seria realmente solitária se não fosse pela garrafa de whisky que consegui comprar com o último dinheiro que tinha. 

A cada gole, sentia que todo meu esforço fora jogado ao vento. Quando saí do Brasil para tentar uma vida melhor em Seattle, realmente apostei tudo o que tinha. Vendi minha casa, pedi demissão da agência em que trabalhava e idealizei um futuro perfeito onde eu conseguiria me estabilizar no exterior e finalmente firmar minha carreira como modelo. 

Minha mãe não acreditava que eu conseguiria, meu pai já não opinava em nada da minha vida há anos, então decidi que já que nada me prendia, eu poderia me encontrar em outro lugar. 

Seattle não era minha primeira opção, mas foi o que consegui com o recurso que tinha. Meus pais não me ajudaram em nada, e vir sozinha para o exterior exigiu que eu tivesse sangue-frio para enfrentar os desafios — o que havia de sobra. 

Dizem que o ponto de partida para uma loucura é o desconforto com sua situação atual. Quando não se tem uma zona de conforto, quando tudo parece estar te incomodando, você encontra uma forma de mudar sua realidade, mesmo que para isso você precise cometer umas loucuras. 

O "pense no amanhã" não passou pela minha cabeça, mas deveria ter passado. 

❆ ❆ ❆ 

Enquanto caminhava pelas ruas frias de Seattle, meu peito estava relativamente quente por conta do álcool que descia pela minha garganta. Era confortável saber que esse líquido era capaz de me aquecer e me tirar dos meus lamentos. Sorrindo prossegui caminhando e olhando as pessoas em volta. 

Todas pareciam estar felizes. A previsão do tempo era de muita neve no dia seguinte, então as aulas haviam sido suspensas, o tráfego de carros também. As pessoas receberiam um dia de folga de suas vidas, mas eu teria que arrumar minhas malas e ir embora. Não poderia usufruir do pequeno dia de folga da minha realidade. 

Virei mais um gole do whisky e continuei caminhando. Meu corpo cambaleava de um lado para o outro e eu me sentia zonza. Coloquei a mão no bolso e tirei algumas moedas. As encarei por alguns segundos pensando o que diabos faria com aquela mixaria em centavos. Suspirei fundo e continuei andando, mas me deparei com um homem sentado no parque próximo ali, cantando uma música que parecia feita para mim. 

A voz do homem ecoava em meus ouvidos abafados trazendo calor para o meu corpo de outra forma. Como se as palavras me abraçassem, me acolhessem. O aglomerado de pessoas em volta me chamou a atenção. Decidi me aproximar e admirar sua música. 

Assim que me aproximei, ajeitei meu gorro e continuei bebendo. O homem cantava de olhos fechados. Seus dedos dedilhavam as cordas do violão trazendo alma para aquela letra. Depois do refrão, seus olhos se abriram e vieram de encontro aos meus. Ficamos conectados por alguns segundos antes disso me deixar desconfortável. 

Aproximei-me do chapéu que ele deixara no chão, dei-lhe todas as moedas que estavam em minhas mãos e depois me afastei continuando minha caminhada. A letra daquela música me acompanhou até o outro quarteirão, junto a neve fria e parecia que aquele era o final da minha tão sonhada aventura em Seattle. 

Parei antes da faixa de pedestres e olhei para o semáforo. A luz estava vermelha. Coloquei as mãos no bolso e peguei a garrafa de whisky, mas ela estava vazia. No outro bolso que estavam as moedas, já não tinha um tostão para eu comprar outra bebida. Suspirei fundo, desanimada, pois quando o efeito do álcool passasse eu teria que enfrentar a realidade. 

De repente, como se uma ajuda fosse me enviada dos céus, alguém segurou meu ombro. Alguém com uma voz aguda, como da música que ecoava em minha mente. 

Um dia desses te encontrei [Noveleta, Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora