~ III ~ Só um rato.

72 3 0
                                    

Sim, Mercedes tinha um irmão. Pedro era um dos homens infiltrados na floresta, um Maqui, como se denominavam, um combatente da resistência que se escondia dos mesmos soldados para os quais ela cozinhava e lavava.

Vidal e seus capangas planejavam uma caça a esses homens quando Mercedes chegou com pão, queijo e vinho. A mesa com o mapa da floresta já servira de mesa de jantar para o moleiro e sua família. Agora servia à morte. À morte e ao medo.

As chamas que flamejavam na lareira refletiam sombras de facas e fuzis nas paredes caiadas do cômodo e nos rostos debruçados nos mapas.

Mercedes deixou a bandeja na mesa e mal reparou nas posições assinaladas pelo Exército.

— Os guerrilheiros se infiltram na floresta porque é muito difícil rastreá-los quando estão lá — disse Vidal, e sua voz era tão inexpressiva quanto seu rosto. — Essa escória conhece o terreno melhor que a gente. Então vamos bloquear todas as entradas. Aqui. E aqui — encerrou, apontando o dedo preto de couro enluvado para o mapa como se fosse um míssil.

Preste atenção, Mercedes, para contar os planos deles ao seu irmão. Do contrário, em uma semana ele vai estar morto.

— Comida, remédios, vamos armazenar tudo. Bem aqui — disse Vidal, apontando para o local onde ficava o moinho. — Precisamos forçar uma movimentação para que eles desçam das colinas. Assim virão até a gente. Aqui, Mercedes. Eles vão armazenar tudo aqui!

Ela demorou para servir a comida, feliz por ser completamente invisível
para eles, só uma empregada, só mais um objeto no cômodo, como as cadeiras e a lareira.

— Vamos instalar três novos postos de comando. Vidal posicionou marcadores de bronze no mapa.

Mercedes não desviou o olhar dos dedos enluvados do homem. Era isto que ela era: os olhos e ouvidosdos coelhos que eles caçavam, silenciosa e invisível como um rato.

— Mercedes!

Ela prendeu a respiração quando a luva preta apertou seu ombro. Os olhos de Vidal estavam estreitos de desconfiança. Ele é sempre desconfiado, Mercedes, pensou ela, acalmando o coração acelerado.

O homem gostava de ver seu olhar despertando medo, mas ela já tinha entrado naquele jogo tantas vezes que sabia como não se entregar. Só um rato. Invisível. Estaria com os dias contados se ele a visse como uma gata ou uma raposa.

— Peça ao dr. Ferreiro para descer.

— Sim, señor.

Ela inclinou a cabeça para parecer mais baixa. A maioria dos homens não admite que uma mulher seja alta. Vidal não era exceção.

Três postos de comando. Comida e remédios armazenados no moinho. Uma informação útil nas mãos.

𝐿𝑎𝑏𝑖𝑟𝑖𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝐹𝑎𝑢𝑛𝑜.Onde histórias criam vida. Descubra agora