Capítulo 1 - Quando Éramos Crianças

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Meu nome é Sara, tenho 8 anos de idade e estou no terceiro ano do Ensino Fundamental. Vivo em Araucária, uma cidade tranquila que é quase uma "cidade do interior". Ela não tem shopping, cinema e nem McDonalds, então quando meus pais me levam para passear nesses lugares, precisamos ir para Curitiba, uma cidade vizinha que é a capital do nosso estado, o Paraná. Bom, para ser honesta, nesses passeios eles só me levam ao McDonalds e ao shopping, nunca vamos ao cinema, já que dizem na igreja que é proibido. Nunca entendi o motivo disso, mas tenho muita vontade de assistir filmes numa tela gigante, então um dia eu ainda vou.

Estudo numa escola pública chamada Archelau de Almeida Torres. Converso pouco com os meus colegas e não tenho amigos próximos, mas posso ficar desenhando durante as aulas, então eu meio que gosto de ir para a escola. Ela fica na frente do Parque Cachoeira, um dos poucos lugares para se visitar em Araucária... Sim, minha cidade é pequena e um pouco chata. Já contei sobre quase todos os lugares que eu vou quando saio de casa, só falta um, a igreja que fica perto do centro da cidade.

Depois da escola, a igreja é o segundo lugar que mais visito. Vou pra lá todo sábado de manhã e às vezes também vou aos cultos de domingo e quarta-feira à noite. Meus pais e eu somos de uma igreja diferente, nós guardamos o sábado. Isso significa que não podemos trabalhar nesse dia, porque ele é sagrado e serve para ficarmos com a família e irmos à igreja.

Quando vamos ao culto no Sábado de manhã há sempre uma movimentação agitada na minha casa. Meus pais ficam preocupados em não se atrasar para o culto, mas eles sempre demoram mais pra se arrumar na ida pra igreja do que para qualquer outro lugar. Sempre ouço comentários na igreja dizendo que precisamos estar vestindo as nossas melhores roupas quando vamos para a "casa do Senhor". É por isso que meu pai sempre veste o seu melhor terno e vai de barba feita. Já a minha mãe sempre usa um vestido diferente a cada semana, mas todos parecem iguais. Ela nunca usa maquiagem, já que falam na igreja que isso é coisa de mulher adultera.

Eu não gosto muito de ir pra igreja. Lá eu não posso desenhar e só posso ficar ouvindo o pastor falar ou cantar durante as músicas de adoração antes do sermão. Mas, mesmo com o culto sendo chato, eu gosto de ouvir sobre as histórias da Bíblia. Algumas são muito legais e parecem aventuras. Eu prefiro quando o pastor está só falando sobre as histórias. Ele me dá medo quando começa a falar sobre coisas que as pessoas podem ou não podem fazer se quiserem ir para o céu. Quando ele fala assim, parece que ele quer deixar as pessoas assustadas.

Depois do culto tem um momento chamado Escola Sabatina. Nessa hora, os membros da igreja se reúnem em diferentes classes de acordo com a idade e conversam sobre a Lição da Escola Sabatina, um livrinho que ganhamos a cada três meses que tem explicações sobre as coisas da Bíblia. Gosto mais da Escola Sabatina do que do sermão, já que na classe das crianças tem uma professora que conversa com a gente sobre as aventuras da Bíblia, então eu não preciso ficar com medo do pastor e me sinto como se estivesse na escola, mesmo sem poder desenhar.

***

Sara tinha acabado de entrar na igreja acompanhada de seus pais. Os três estavam vestidos com "roupas de igreja" e chegaram faltando menos de cinco minutos para o culto começar. Cada um estava segurando a própria Bíblia e a sua cópia da lição da Escola Sabatina. Eles se dirigiram, por hábito, ao mesmo banco onde se sentavam toda semana, mas no caminho se depararam com uma família que não conheciam, uma família de japoneses.

As duas famílias se cumprimentaram. O pai de Sara desejou um feliz Sábado e começou a perguntar se eles eram novos na igreja e se precisavam de alguma ajuda. Sara não prestou atenção no que o pai estava falando e nem no que o outro homem estava respondendo. Ela se distraiu quando olhou para uma outra criança que estava presente na conversa. A família japonesa também era uma família de três pessoas, e a criança do casal também era uma garota.

Se sentindo inexplicavelmente cativada, Sara ficou imóvel enquanto olhava sem disfarçar para a garota japonesa. Ela parecia ter a mesma idade que Sara. Usava uma fita vermelha no cabelo e era muito bonita e fofa, ou melhor, foi isso que Sara pensou quando olhou pra ela. Ao perceber que estava sendo observada a garota trocou um olhar rápido com Sara, mas imediatamente, como se não soubesse outra forma de reagir, escondeu o rosto atrás da saia da mãe. Pouco antes dela esconder o rosto, Sara teve quase certeza de ver as bochechas da garota corarem, e sem saber o motivo, ela também teve vontade de fazer o mesmo e se esconder atrás da própria mãe, mas preferiu ficar encarando o chão enquanto ouvia a conversa dos adultos.

Seu pai já tinha iniciado as apresentações. Disse seu nome, Rodrigo Oliveira, apresentou sua esposa, Natália, e agora estava pedindo para Sara se apresentar. Ele queria mostrar para os visitantes que tinha uma filha bem educada. Ela parou de encarar o chão, olhou para a família desconhecida e por estar um pouco nervosa falou muito rápido, como se recitasse um trava-língua:

- Oi, meu nome é Sara Oliveira, tenho oito anos e gosto de desenhar. Feliz sábado pra vocês.

Os pais da garota japonesa riram com discrição e sorriram para Sara. Eles acharam bonitinho a garota tímida que se apresentou com esforço e educação. Depois que ela falou, o pai da outra família se apresentou num tom que soava razoavelmente formal:

- Eu sou Yuji Suzuki, essa é minha esposa Yuzu e minha filha Yumi. Nós nos mudamos para Araucária nesta semana, viemos de São Paulo.

Depois que o marido se apresentou, Yuzu olhou para Sara e disse num tom suave e gentil:

- Nossa filha tem a mesma idade que você, ela ainda não conhece outras crianças por aqui, então espero que vocês se tornem boas amigas.

Yuji olhou para Rodrigo e desejou um feliz Sábado. Cada família seguiu para o próprio caminho em direções opostas. Enquanto isso, Yumi e Sara trocaram mais um olhar quando cruzaram uma perto da outra. Ambas desviaram o olhar quase instantaneamente, com uma expressão de vergonha. Sara teve certeza de que viu as bochechas da Yumi ficarem vermelhas. Quando se sentou no banco, pensou: "eu gostaria de ter uma amiga, mas a Yumi me deixou nervosa quando eu olhei pra ela... deve ser porque ela é muito bonita".

No Sábado seguinte, quando Sara entrou na igreja, a primeira pessoa que viu foi a Yumi. Ficou um pouco nervosa quando olhou para o seu rosto, mas se sentiu menos desconfortável quando percebeu que Yumi olhou pra ela estando com as bochechas coradas. Ela se aproximou, menos nervosa do que na semana anterior e disse:

- Oi, lembra de mim? É a Sara, quer ser minha amiga?

Yumi corou mais um pouco, desviou o olhar para os sapatos de Sara, olhou novamente para ela nos olhos e disse:

- Oi Sara, quero ser sua amiga sim. Você se senta do meu lado quando formos assistir o culto?

Sara não esperava por essa resposta, mas ficou feliz por conseguir fazer uma amiga. Ela respondeu que sim e a partir daquele sábado elas sempre se sentaram juntas durante o culto e na Escola Sabatina. Esse se tornou o momento em que Sara compartilhava com alguém tudo o que tinha acontecido com ela durante a semana. Elas conversavam baixinho para os adultos não escutarem e sempre ficavam com o papo em dia depois do sábado de manhã. Além disso, mais uma coisa se tornou rotineira para as duas quando se encontravam, toda vez que Sara olhava pra Yumi ela não podia evitar de pensar que tinha uma amiga muito bonita, e passava um breve momento apreciando o rosto dela. Yumi sempre percebia o olhar de admiração e devolvia o olhar com as bochechas coradas, mas nunca comentava sobre isso.



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