Yumi era uma menina de oito anos, descendente de japoneses e moradora de São Paulo, capital. Apesar de sua ascendência asiática, tinha pouquíssimo conhecimento sobre a cultura japonesa, isso era desincentivado por seus pais e pelos membros da igreja que eles frequentavam. Acreditavam que o contato e estudo com as tradições japonesas poderia desvirtua-la do caminho cristão. Seus avós, por parte de pai e de mãe, tinham se convertido ao cristianismo durante a juventude e educaram os pais de Yumi sem lhes transmitir muito da cultura japonesa, que por consequência, não transmitiram nada para Yumi. O resultado dessa transformação cultural na família era que Yumi era totalmente brasileira e cristã.
Numa tarde de domingo, ela estava em casa assistindo desenhos na televisão quando sua mãe disse:
- Vamos assistir algo mais construtivo? - disse ela simpatia, enquanto trocava de canal - mamãe precisa conversar com o papai, assista quietinha essa canal, tá bom?
- Tá bom, mamãe - respondeu Yumi, que mesmo querendo assistir ao desenho, obedeceu.
Yuzu tinha trocado o canal para a TV Cultura, onde estava sendo exibido um concerto. Yumi nunca tinha assistido a um concerto e não tinha muito interesse em assistir, principalmente por não entender nada do que estava acontecendo ali. Então, depois que a música que estava sendo apresentada acabou, uma pianista começou a tocar.
Yumi, que até o momento não estava interessada, ficou curiosa ao ver a pianista. Era uma mulher com feições asiáticas, muito bonita, usando um vestido decotado, daquele que as mulheres da igreja não iriam aprovar, e tinha mais ou menos trinta anos. Ela era a única mulher no palco, foi uma das coisas que despertaram a atenção de Yumi, além do fato da mulher se parecer com a mãe dela, só que mais bonita.
Ela assistiu toda a execução da música que a pianista estava apresentando. Conforme a música avançava, o interesse de Yumi crescia, ela começou a se imaginar no lugar daquela mulher, tocando piano muito bem, com uma roupa chique e com as pessoas assistindo em silêncio e com atenção. Decidiu, naquele momento, que gostaria de tocar piano igual aquela mulher. Yumi já tinha visto outras mulheres tocando piano na igreja, mas nenhuma delas tinha feito com que ela ficasse com vontade de tocar, nenhuma delas era impressionante como aquela pianista da televisão, que tocava rápido e parecia dominar o piano.
Depois de assistir o concerto até o final, o que demorou mais de meia hora, Yumi desligou a TV e sentiu vontade de usar o banheiro. No caminho, se distraiu quando ouviu seus pais discutindo acaloradamente no quarto. Ela ouviu primeiro a voz da mãe, que não soava mais de simpática como antes, parecia estar com raiva. Ouviu depois o seu respondendo aos gritos - sim, eu dormi com outra, e você não pode fazer nada sobre isso.
Yumi achou estranho, não lembrava mais que iria usar o banheiro, agora ela queria saber o por que de seus pais estarem gritando. "Dormi com outra", "quando foi que o papai dormiu fora?" pensou, sem entender. Então, em silêncio, ela se aproximou do quarto e encostou o ouvido na porta para ouvir melhor.
- Quer que eu faça o que? O estrago já tá feito - gritou Yuji.
- Você fez isso pra mim e nem se preocupou em me pedir desculpas, não perguntou como eu me sinto, não perguntou se eu perdoava você... Você só se importou com a opinião dos outros na igreja, você não pensou em mim em momento nenhum - Yuzu parecia estar começando a chorar quando terminou essa frase.
- Eu já me arrependi do que eu fiz, para de complicar - respondeu Yuji rispidamente - Claro que me importei com a opinião da igreja, agora que eles sabem o que aconteceu eu vou perder o cargo de ancião... Com todo mundo sabendo eu não vou mais poder mostrar a minha cara lá.
- Viu! Você só se importa com essas coisas, nunca se preocupa comigo ou com a nossa filha. Você é horrível, eu só não me divorciei por causa da Yumi.
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A Garota que Eu Conheci na Igreja
RomanceO sonho de Sara é ser uma artista visual, o de Yumi é ser uma pianista de concerto. Elas se conheceram crianças e se apaixonaram na adolescência, mas por conta da homofobia na igreja e a rejeição familiar, só poderão contar uma com a outra para pers...