Nós - Epílogo

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Três meses depois

Arrasto o peso morto atrás de mim, escada acima.

Grunho com o esforço de arrastar aquilo. Ainda faltam mais dois lances de degraus.

Chego em frente à minha porta, esbaforido e cansado, o volume do tamanho de uma criança dentro de um saco de lixo atrás de mim.

- Está carregando um corpo aí? - Pulo de susto quando um cara de olhos escuros aparece das sombras, me olhando atentamente.

- E... eu... - Engulo em seco. Franzo a testa - Quem é você?

Ele morde os lábios e ri sem acreditar.

- Faz meses que não atende nenhuma ligação, e a primeira vez que eu te visito você não se lembra? Ah, qual é Mateus! Você ficou morrendo de medo sobre a pessoa que ajudava Leo, o "ele". Vim aqui para dizer que não achamos ninguém. Leo fez tudo sozinho.

O jeito que ele nos olha... como ele fala nosso nome.

- Timóteo. - Falo o nome cuidadosamente.

Ele me dá um tapa no ombro amigavelmente e aponta para o pacote.

- O que tem aí? Parece que está vindo de uma cena de assassinato.

Engulo o bolo na garganta e abaixo para desembrulhar o pacote. Assombro toma seus olhos.

- Caramba, é a maior mandioca que eu já vi na minha vida! Onde a conseguiu?!

Dou de ombros.

- Consegui de uma garota. A mãe dela vende.

Timóteo sufoca uma risada, enquanto cutuca a raiz gigante.

- Você se envolve em cada situação peculiar... e faz todas elas parecerem suspeitas. Tem comida aqui? - Ele passa por mim, como se fosse íntimo - tô morrendo de fome, trabalhei até cair de cansaço.

- Porque? - Pergunto cuidadosamente, como quem não quer nada.

- Hoje teve um assassinato no seu bairro. Ficou sabendo? Uma jovem. Cabelos castanhos, olhos castanhos. Vestia amarelo hoje, uma cor estranha para um dia nublado.

O vejo caminhando pela cozinha e mantenho a fachada sorridente. Um lampejo me chama atenção.

Despontando da nossa pele sob o casaco, uma mancha de sangue.

Puxo a manga, para cobrir, enquanto entro no apartamento, o canivete pesando no bolso e faço uma nota mental para me livrar dele o mais rápido possível.

Ergo a mandioca para ele ver, tentando não ficar muito rígido e agir de forma natural, como se de fato o conhecesse.

- Vou fazer sopa de mandioca, quer?

Ele assente, feliz, e preparo a comida, de costas para ele.

Timóteo parece um cara perspicaz, mas não o suficiente para ter me enxergado ali dentro. Sorrio discretamente, agradecendo mentalmente por ter me livrado do psiquiatra que nos dera o diagnostico final. O único que havia me visto... e visto o Mateus também.

Corto a mandioca, e lembro da expressão de horror da garota de hoje quando saquei o canivete. Minha boca começa a salivar, só de lembrar do terror, do medo...

A primeira morte é sempre mais difícil... é necessário achar o cenário perfeito, o álibi perfeito. O cúmplice perfeito. E o mais importante de tudo: a forma como você joga o jogo influencia diretamente no resultado final.

- Mateus - Chama Timóteo. Olho para ele tranquilamente. Ele aponta um gato do lado de fora da janela. - Achei de fosse alérgico.

Sorrio e aponto para uma cartela em cima da mesa de jantar.

- Eu tomo remédio para não dar uma reação. - Me viro para a pia de novo e abaixo a voz, de forma que só eu escutasse - Só me deixa apagado toda vez...

Minha primeira morte tinha enormes olhos cor de mel e sardas na pele branca, parecendo uma boneca.

Educada, gentil e de coração enorme.

Sorrio de novo.

No fim das contas Leo havia sido apenas um peão, Mateus a isca e eu... eu só estava começando.

FIM

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