Nós - Cap 2

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Olho nervoso a sala de interrogatório.

É exatamente igual as das series policiais, com uma janela de vidro escuro a minha esquerda e apenas uma mesa e uma cadeira.

O que ninguém mostra, é o cheiro.

Um cheiro nauseante, como se tivessem misturado cc, com desinfetante de pinheiro e um belo de um peido alemão.

Tento focar no cheiro.

Meus pensamentos giram, giram, giram...

Não haviam me dito nada.

Eu não tenho advogado, não tenho quem me ajude. Nem dinheiro eu tenho.

Leo havia prometido que encontraria alguém para me ajudar, e eu me senti extremamente grato que ele tivesse largado tudo para estar ali, ao meu lado.

A porta se abre e eu levanto os olhos.

Um detetive, também de cara fechada, se senta à minha frente e começa a fazer perguntas sobre mim.

Nome completo. Mateus Rocha Tristão.

Idade. 25.

Família. Nenhuma.

Formação, onde trabalha, onde mora, o que faz no tempo livre... tantas perguntas que deixam minha cabeça rodando. E por fim, a mais importante:

- O que estava fazendo hoje, às 9 horas da manhã?

Engulo em seco. Como explicar? Sem desabar em choro?

- Eu... vi Katarina sair do prédio acompanhada de um cara esquisito e resolvi ver o que era...

- Então admite que a seguiu – Não era uma pergunta.

- Mas foi só porque eu achei que havia algo errado...

- Porque não chamou a polícia então? – Seus olhos são penetrantes demais, acusatórios demais.

- Não achei que fosse tão importante para chamar a polícia...

- Mas achou que era importante o suficiente para segui-la. – Ele balança a cabeça, como se isso respondesse tudo e anota algo.

- Eu... alguém bateu na minha cabeça. Eu não a matei, juro! Eu estava seguindo-a, e aí alguém bateu em minha cabeça, e de repente eu estava no hospital. – Tento, desesperado. Ele não acredita em mim, não acredita, não acredita... de repente me lembro de algo – Tinha uma câmera! Na viela onde me vocês devem ter me encontrado, tinha uma câmera...

- Viela? – O homem franze a testa e confere algo na pasta que leva. – Você foi encontrado em um galpão, com a faca que usou para matar Katarina na mão, ao lado do corpo dela.

Abro a boca, mexendo-a sem parar e sem emitir som. Só então reparo em mim mesmo. Minhas roupas e mãos... estão manchadas com sangue. Respingos e jatos fortes... como se eu tivesse atacado alguém.

Eu sou a prova viva de que havia matado ela.

Ergo os olhos, em desespero, mas o policial apenas me olha, como se eu já estivesse condenado.

Provavelmente estou mesmo.

WWW

Fiquei dois dias na delegacia.

Em dois dias, me lancei em uma torrente de desespero, onde eu me alternava entre lamentar por Katarina e tentar debilmente me defender.

Leo permaneceu o tempo todo lá.

Não achou um advogado que pudéssemos pagar, mas torrava a paciência dos guardas para que dessem comida saudável, que ele mesmo trazia de casa. Era uma ancora pra mim.

Nesse tempo, reviraram meu quarto.

Acharam as fotos que eu tirava escondido de Katarina, me nomearam como obsessivo.

Havia testemunhas que certificavam que eu a seguia, que eu estava sempre de olho nela.

Chegaram a insinuar que eu a matara por ciúmes, quando a vira com o homem.

Colheram meu DNA, acharam fios da minha roupa nela e até meu DNA embaixo da unha. Todas, absolutamente todas as provas apontavam para mim.

Minha cabeça estava prestes a estourar, enquanto eu tentava preencher a lacuna em preto na minha mente. Eu desmaiara, alguém batera em mim. O galo na parte de trás da minha cabeça era a maior prova...

Mas ninguém acreditava.

Remexo meu corpo na cadeira, desconfortável. Todo ele doi. Eu estou sujo, fedendo, exausto.

A porta se abre e eu mal me mexo.

O detetive solta uma pasta na mesa, com violência.

- Repita para mim – Ele fala em um tom de voz perigoso, ameaçador – Porque você não se lembra de ter matado Katarina

Suspiro, esfregado as mãos no rosto.

- Porque alguém bateu na parte de trás da minha cabeça. Eu desmaiei. Acordei no hospital.

- É mesmo? – O detetive ri e aponta para a pasta – Que engraçado então termos achado um exame psiquiátrico que diz que você tem distúrbio dissociativo de identidade.

- O que? – Observo o papel. Realmente, era um exame no meu nome. Balanço a cabeça. – Não é meu.

- Quem garante? Você pode ter tido um apagão por causa do transtorno e não se lembra de ter feito o exame. Assim como não se lembra de ter matado Katarina.

- Não! – Protesto. A exaustão está me deixando louco. A pressão, aquela situação... não me deixam explicar, não me deixavam nem terminar de falar... – Não, esse exame não é meu! Eu não matei ela! Eu admito as fotos, mas não o resto!

Bato a mão na mesa, repetidas vezes, frustrado.

A porta se abre, vários policiais se agarram em mim, me contendo. Luto com eles, as lágrimas queimando os olhos.

- Eu a amava! Porque não acreditam em mim?! Não fui eu! Não fui eu, não fui eu!

Grito e esperneio e finalmente desisto quando me algemam contra a cadeira.

Não fui eu... não é?

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