01 ┊ abomináveis cidades pequenas

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001. CAPÍTULO 1
( abomináveis
cidades pequenas. )
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Alena Hollow.

EU ODEIO DIRIGIR.

Ali, naquela rodovia engarrafada, tive plena certeza daquilo.

Para ser bem honesta, odeio muitas coisas. Já me falaram certa vez que tenho uma espécie de fúria passivo-agressiva nata, que nasce naturalmente dentro de mim e explode de maneira catastrófica. Na época, não entendi muito bem o que isso significava. Mas, conforme os anos foram passando, comecei a perceber que minha personalidade estava, de fato, longe do sinônimo de serenidade.

Acho que é uma dessas características que você aprende a aceitar sobre si mesmo, e tenta conviver com elas, apesar dos obstáculos. Assim como aprendi a aceitar minha teimosia mórbida e minha mania de tagarelar, também aprendi a aceitar meu ódio agressivo perante algumas situações.

Odeio multidões. Odeio tortas de pêssego e o cheiro agridoce que penetra do nariz ao paladar. Odeio viagens de carro, principalmente quando o tal veículo é tão velho que o ar-condicionado mal funciona em meio ao auge do verão australiano. Odeio mais ainda dirigir em viagens. E, principalmente, acima de todas essas coisas: odeio cidades pequenas, odeio tudo sobre elas.

Então, o fato que estou dirigindo em busca da cidade pequena mais abominável da Austrália, junto à minha irmã se entupindo de torta de pêssego, realmente não faz do meu humor um dos melhores.

Assim que o motorista atrás de mim aperta a buzina estridente do seu carro pela quinta vez consecutiva, desisto da minha já escassa compostura e abro a janela da caminhonete para dar-lhe o dedo do meio. O que não é uma estratégia muito eficaz ou esperta, já que o homem apenas buzina novamente, por um período ainda mais longo. O som frustrado que sai de meus lábios faz Eva se levantar de seu aconchego apertado no banco traseiro e me olhar assustada.

— Você tá bem? — Ri, divertindo-se do meu estado colérico. — É melhor se acalmar se não quiser arranjar uma briga no meio da rodovia. Aquele cara de trás parece bem irritado.

— Ele que venha, tenho praticado o meu gancho de direita.

— Essa eu pagava pra ver. Particularmente, aposto em você. — Ela pisca um dos olhos castanhos para mim, através do retrovisor.

Após dar uma segunda olhada para conferir se o motorista havia se acalmado, Eva começa a se enroscar pelos bancos, e se livra da manta rosa que a envolvia. Perguntava-me como podia dormir coberta naquele calor infernal. O ar-condicionado da caminhonete caindo aos pedaços havia quebrado há muitas milhas atrás, e podia jurar que comecei a ver alucinações de tanto calor. Ainda assim, Evangeline conseguiu roncar profundamente durante a viagem inteira.

Finalmente, num movimento que quase move a marcha do lugar, minha irmã alcança a parte da frente do carro, ao meu lado. Em sua mão, a maldita torta de pêssego ainda infesta todo o ambiente.

— Não precisa olhar pra ela como se quisesse jogá-la do carro. A coitada não te fez nada.

— Come logo ou vou jogar mesmo. Esse troço fede.

— Não liga pra ela, querida. — Diz, encarando a torta e fazendo biquinho enquanto fala com a comida. — Alena é uma velha amargurada e não sabe o que diz.

Abro a janela e olho para Eva em sinal de desafio. Rapidamente, ela cobre a comida com seu corpo, enquanto se vira para o lado e coloca o último pedaço na boca.

CORAÇÃO PERVERSOOnde histórias criam vida. Descubra agora