- Você parece pensativo.
Rato abriu levemente as pálpebras ao sentir a respiração do outro garoto acima da sua, os olhos doces encarando-o com certa preocupação.
- Te acordei?
Nezumi inclinou brevemente a cabeça, indicando que não. Estivera acordado aquele tempo todo, possivelmente a madrugada inteira, se levadas em consideração as manchas pretas abaixo de seus olhos, a tensão permanente entre as sobrancelhas.
Ainda que estivesse fora de seu campo de visão, podia sentir o calor que os braços de Shion emanavam ao lado de suas orelhas. Tinha plena consciência das mechas brancas caindo em suas bochechas e causando-lhe cosquinhas, a umidade de seus lábios logo acima dos próprios...
Nezumi empurrou delicadamente os ombros do garoto, para que ele saísse de cima de si, desviando o olhar enquanto se sentava e evitando deliberadamente a expressão confusa do menino a sua frente.
Não podiam continuar com aquilo.
- Hum... Está tudo bem?
Queria responder que não, não estava. Que se encontrava momentaneamente consumido pelo sentimento agridoce de querer beijá-lo e sair correndo, não necessariamente nessa ordem. Que não compreendia o impulso que permanecia puxando-o diariamente em direção a um menino que salvara sua vida seis anos atrás, sendo que já havia pagado sua dívida com todos os esforços para salvar Safu. Que não sabia por quê, mas mesmo com uma sociedade inteira lhe mostrando filmes em que o "final feliz" retratava uma família com um pai e uma mãe, ele não era capaz de construir nenhuma admiração especial por meninas.
- Que horas são? – perguntou, finalmente.
- Seis e cinquenta e oito.
- Sete horas – arredondou, prático – Preciso levar você para casa, ou não chegará há tempo na faculdade.
- E se eu perdesse as aulas da manhã? – perguntou, com aquele tom de voz irritantemente convincente.
Rato lhe lançou um sorriso, apesar de tudo.
- Eu tenho uma apresentação duas da tarde, preciso estar de volta meio-dia. É melhor irmos agora. – disse, colocando um casaco escuro e abrindo três gavetas da cômoda antes de conseguir encontrar as chaves.
Shion não parecia satisfeito, mas não reclamou, acompanhando-o até o automóvel. O carro não era novo, mas também não era velho o suficiente para não aguentar as duas horas de viajem que se seguiriam até a casa do menino.
Shion morava com sua mãe a alguns bairros de distância do centro da Nova No.6, reconstruída após a queda dos muros. Havia facilmente conseguido uma bolsa de estudos em engenharia de computação após o fim da guerra, enquanto Nezumi decidira permanecer em seu antigo trabalho, no vilarejo de Rikiga e Inukashi. À princípio, Rato pensou que aquele seria o fim para os dois; ficou quase aliviado quando se despediu de Shion, em cima dos destroços de No.6, pensando que não poderia influencia-lo a cometer nenhuma atrocidade novamente.
Sendo assim, tamanha foi a sua surpresa quando, quase um mês após o ocorrido, o mesmo garoto de olhos acastanhados e sorriso cegante bateu a sua porta, dizendo que tinha esquecido um de seus livros na biblioteca.
Era obviamente uma desculpa muito esfarrapada, mas Nezumi estava tão embasbacado que não foi capaz de fazer nada, a não ser, obviamente, permitir que entrasse. Nos dois anos que se passaram desde então, Shion veio inúmeras vezes, inicialmente determinando premissas como: assistir a uma das peças de Nezumi, visitar os cachorros de Inukashi, entregar uma carta de sua mãe à Rikiga... Eventualmente, porém, ele simplesmente parou de dizer qualquer coisa, aparecendo quase uma vez por semana.
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Hanahaki - Nezumi x Shion
Fiksi PenggemarNada de macarrão instantâneo picante e cozido demais. Nada de contas matemáticas alternadas de comentários sarcásticos. Nada de cabelos da cor da lua e abraços repentinos, que o fariam corar. Nada de filmes ruins com finais felizes e ou noites intei...