'Shions'

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As mãos de Nezumi suavam, evidenciando uma ansiedade incomum ao garoto.

Shion não viera antes de ontem, não viera ontem, ou viria hoje ou...

- Nezumiiii?

Apesar de estar aguardando, tomou um susto com a voz, se recostando contra a parede e tentando se manter o mais silencioso possível. Já era a segunda vez que estava fazendo isso; a primeira fora bem sucedida, não havia razão para tanta comoção.

- Nezumi? – tentou a voz de novo, duvidosa, batendo contra a porta de madeira com um pouco menos de animação do que antes.

Desista disso ­– tentou a voz na cabeça de Nezumi, aquela que normalmente era responsável por contar o número de manchinhas nas íris de Shion – abra a porta para ele.

Sacudiu o cabelo com a mão livre, livrando-se do pensamento. Estava determinado a fazer aquilo, pelo bem dele e de Shion. Não pararia agora.

- Nezumi...? – tentou o garoto platinado, mais umas duas vezes, antes de enfim desistir e dar meia volta.

Levaram alguns minutos para que Rato conseguisse voltar a respiração ao normal, voltando a lavar a louça como se nada tivesse acontecido. Algumas horas mais tarde naquele mesmo dia, novas batidas soaram, e ele congelou antes de perceber que a voz que o chamava era bem diferente da anterior.

Parecia de uma... garota?

Bem mais irritada que a anterior também.

- Inukashi? – falou Nezumi, ao abrir a porta, o tom de voz propositalmente monótono.

Ela pareceu um pouco surpresa.

- O que foi? – perguntou ele, quando ela não disse nada.

- Achei que você tivesse – ela fez gestos vagos com as mãos - morrido ou sei lá.

- Oi? – questionou Nezumi. – Ou melhor, por quê? Tem algo pegando fogo?

- Não! É só que Shion passou em meu hotel perguntando se tinha saído e, sejamos francos, você não sai dessa toca se não for para trabalhar.

Nezumi rolou os olhos com a provocação.

- Estou muito bem, obrigado pela preocupação e tal, mas já pode ir em... – Inukashi colocou o pé no batente antes que o menino pudesse fechar a porta.

- Onde você estava? – perguntou ela, parecendo recuperada do choque.

- Não te interessa.

A garota lhe lançou um olhar mortal.

- Você nunca marca nada quando sabe que ele vai vir...

- Pelos céus, você não sabe cuidar da sua vida? – perguntou, tentando soar mais rude do que o normal.

Funcionou, porque dessa vez ela pareceu ofendida.

- Muito bem então! Fique aí com suas respostas evasivas, mas saiba que Shion pareceu genuinamente chateado por você não avisar que estaria ausente nessa e na última semana. Fez ele viajar da Nova No.6 até aqui à toa. Não sei o que está rolando entre vocês, mas não me venha pedir conselhos de coração partido quando ele desistir de você.

Como para afirmar sua sentença, bateu a porta na cara de Nezumi. O garoto logo tratou de reabri-la, seguindo Inukashi explosivamente.

- O que você quis dizer com "de coração partido"?! – perguntou, inconformado.

- Quando ele terminar com você, seu idiota. Perdeu a capacidade de interpretação?

- Mas terminar o quê?

Ela parou, deu um suspiro digno de Eve interpretando uma peça de Shakespeare, e o encarou.

- A relação, namoro, seja lá como vocês chamam o que tem...

- Inukashi, de que diabos você está falando? – ele se continha para não beirar a histeria no momento - Nós não namoramos.

- Ah, não? – perguntou ela, um sorriso maroto crescendo no canto dos lábios – Então por que ele vem te ver todo fim de semana?

Nezumi queria matá-la, mas (novamente) se controlou.

- Ele... eu não sei. Mas nós não temos nada.

- Se você diz.

Ela deu de ombros e saiu andando. Nezumi não a seguiu desta vez.

Não muito mais tarde, naquela mesma noite, quando se deitou, não conseguiu tirar o diálogo da cabeça. Por que Inukashi achava que eles estavam namorando? Além de ser um absurdo óbvio pela parte que cabia à Shion, Nezumi nunca mencionara nada sobre sentir alguma coisa a mais pelo 'amigo'. A não ser que...

Será que era tão claro assim? E se Shion tivesse descoberto que Nezumi gostava dele? Se até Inukashi havia percebido, quais eram as chances...

Sentiu seu estômago afundar mais do que ele achava que fosse possível após jantar Uramaki amanhecido. Não havia nenhuma chance de que Shion não soubesse sobre sua queda catastrófica no próprio também, o que significava que só continuava visitando Nezumi por não ter coragem de confrontá-lo sobre não sentir o mesmo ou, pior ainda, por ter dó de faze-lo. Mais do que nunca, Nezumi teve certeza: deveria seguir com seu plano até o fim e nunca mais ver o garoto. Ou falar com ele.

Nada de macarrão instantâneo picante e cozido demais. Nada de contas matemáticas alternadas de comentários sarcásticos. Nada de cabelos da cor da lua e abraços repentinos, que o fariam corar. Nada de filmes ruins com finais felizes ou noites inteiras de respirações compassadas. Finalmente, nenhum afago e nenhum beijo, além dos situados em seus mais remotos sonhos.

Não sabia se foi pela posição, mas uma tosse esquisita o tomou de súbito, sua garganta seca como farinha, o pulmão apertado como se prendesse alguma coisa.

Cuspiu algo de estranho que grudara em sua língua, e não pôde mesurar sua surpresa quando reparou que, contra os claros lençóis de pano, destacavam-se uma dúzia de pétalas.

Pétalas finas, compridas e lilases, juntas por um centro tão amarelado quando o Sol em tardes de verão: Aster tataricus era sua espécie, Rato sabia, pois era popularmente conhecida como Shion no Japão.

***

"And I've heard of a love that comes once in a lifetime

And I'm pretty sure that you are that love of mine

'Cause I'm in a field of dandelions

Wishing on every one that you'll be mine, mine"

- Dandelions, Ruth B. 

Hanahaki - Nezumi x ShionOnde histórias criam vida. Descubra agora