Capítulo 6

7 0 0
                                    

O sábado segue como um dos dias mais eufóricos que eu tive em todos esses meses. Um sábado desafiador.

Não tive coragem de contar minha "pequena crise" que tive no parque para Jackie, não queria deixá-la preocupada, ou precisando medir palavras para me deixar "confortável". Odiava quando sentiam pena de mim, eu não precisava disso.

Me lembro que mesmo semanas depois do Josh ter morrido, os olhares de pena e tristeza ainda pairavam sobre mim, nos corredores, no refeitório, em qualquer canto daquela escola.

Passei a sexta-feira inteira treinando para o grande dia, e ele havia chegado. E eu estava me contendo para que minha ansiedade não crescesse mais ainda dentro de mim. As arquibancadas estavam cheias de estudantes, e na primeira fileira havia os juízes e o treinador, Vítor também estava lá monitorando tudo.

Tentei não demonstrar que estava nervosa, mas era imperceptível não notar o medo em meus olhos, como se eles dissessem "Socorro" ou "Alguém me tira daqui!".

A equipe estava em suas posições, todos prontos para começar, por um segundo senti como se todas as pessoas estivessem me encarando, esperando que eu desistisse antes mesmo daquela competição. Me sentia impotente.

Mas eu também estava sentindo outra coisa, minha linha de pensamentos foi levada até uma das minhas lembranças com Josh. Era meu primeiro teste na equipe de natação e eu havia ficado em primeiro lugar, assim que ganhei a medalha, meu amigo se levantou da arquibancada e começou a gritar meu nome. Ele estava tão empolgado quanto eu, e ainda posso ouvir sua voz na minha cabeça dizendo "Você consegue, Spencer!" "Eu estou tão orgulhoso de você!".

E então começamos a nadar, a competição iniciou-se e eu simplesmente, comecei a nadar. Entrando naquela piscina, fazendo tais movimentos, era algo... inspirador, uma sensação de nostalgia e tranquilidade que me faziam relaxar, mas também nadar muito rápido, sem me cansar. Eu não tinha percebido isso, até escutar os alunos se levantarem de suas arquibancadas batendo palmas para mim. Havíamos vencido a competição contra a outra escola.

"Eu consegui..."

Aquilo me surpreendeu de tantas maneiras, senti como se o mundo tivesse parado, meus olhos brilhavam encarando aquelas pessoas, em seus rostos não haviam decepção, e sim, alegria. Fiquei em uma espécie de transe tentando processar aquela cena.

—Tu conseguiu, Spencer! — Os braços de Jackie envolveram meu corpo molhado em um grande e caloroso abraço. —Eu tô tão feliz por você, véi! — Ela sorriu.

—Eu sabia que você conseguiria! — Escutei a voz de Vítor, que estava se aproximando cheio de euforia —Arrasou, garota.

Minhas bochechas estavam perto de doer de tão vermelhas, outras pessoas da equipe vieram me cumprimentar também, fiquei um tanto desnorteada com tantas pessoas ao meu redor. Olhei de relance para a arquibancada, sorridente, e acabei por notar um rosto familiar.

Ali sentado, com os braços apoiados em suas coxas grossas, aquele cabelo cacheado bagunçado. O garoto estranho da livraria do shopping. Ele estudava na mesma escola que eu esse tempo todo? Eu nunca havia reparado na presença desse garoto até agora. De longe ele sorriu para mim, levantando uma de suas sobrancelhas com um ar que ao mesmo tempo que era atraente, também era irônico. Como se dissesse para mim um "É bom te rever também, estranha." em silêncio.

Desviei minha atenção daquele garoto e voltei à conversar com as pessoas ao meu redor, eram tantas vozes, difíceis de distinguir de quem eram. Foi uma tarde incrível. E por uma fração de segundos, senti como se Josh estivesse ali também, orgulhoso de mim.

"Calor humano...é tão bom."

Às vezes tudo que precisamos é calor em momentos frios. Insistência, afeto. Apenas, calor...
Horas depois eu chegará em casa esbossando o que seria um enorme sorriso, mas diante àquelas pessoas com quem eu morava, era difícil continuar sorrindo.

—Você não avisou que chegaria tarde, eu fiz almoço atoa pelo visto, né... — Ashley estava de braços cruzados, seu rosto transparecia uma expressão irritada e sua voz também.

—Eu disse que tinha aquela competição importante hoje, que inclusive, você nem se deu o trabalho de ir. — Retruquei com a mesma intensidade na voz, encarando a mulher alta e ruiva.

—Teve a apresentação de ballet da Amber, sua irmã, te avisei isso semana passada!

—Ela não é minha irmã, e o Scott não é meu pai! Aliás, você se quer avisou meu pai sobre a competição de hoje?

Minha voz saía de um modo ríspido dizendo aquilo, como se estivesse cuspindo aquelas palavras. Ashley por um momento recuou, sem me dar uma resposta concreta, mas eu já imaginava qual seria, a famosa desculpa que meu pai usará "Isso parece ser incrível, mas não poderei ir, estou lotado de trabalho..." e entre outras frases.
Desde o divórcio deles, tem sido difícil manter contato com meu pai, às vezes nos falamos por telefone, mas é sempre a mesma coisa. Uma distância que eu não queria que existisse.

Quando ele estava por perto, era mais fácil lidar com minha mãe, eu conseguia me controlar para não entrar em uma discussão e ele tentava apaziguar tudo, isso foi antes deles começarem a brigar todos os dias sem parar. Era doloroso ver aquilo. Fiquei com raiva da minha mãe não ter pensado em como eu me sentia com aquilo, ela simplesmente não chegou a mandar uma única mensagem pra ele ir me ver, nem chegou a ir até à escola para torcer por mim, isso era egoísta!

Meus olhos lacrimejavam e um nó se fazia em minha garganta, aquela sensação boa e alegre havia cessado. E a tristeza retornado.

—Eu vou pro meu quarto, será que dá pra você falar com Scott, para ele parar de fazer barulho de manhã? Eu mal consigo dormir com aquela furadeira...

Ela assentiu com a cabeça e me deu espaço para que eu pudesse subir as escadas, era sempre assim, discussões sem parar. Às vezes esqueço que um dia fomos inseparáveis, como geralmente mãe e filha deveriam ser.

Cheguei até meu quarto e joguei a mochila em cima da cama, logo depois fiz o mesmo com meu corpo, estava exausta. A crise de ontem, o treino de sexta, aqueles juízes de hoje. Tudo me causou uma enorme vontade de ficar parada o dia inteiro.

"Que dia hein..."

Meu celular vibra, eu o tiro do meu bolso e desbloqueio o aparelho, era uma mensagem de um número que não estava salvo. Eu me viro de costas na cama e levanto o aparelho um pouco para poder ler.

“Hey, queria dizer que você foi incrível hoje!! Estava determinada, concentrada e ouso dizer "confiante". Enfrentou o medo que estava sentindo, e isso foi inspirador... Pelo visto parece ter muitas outras coisas sobre você que devem ser interessantes."

Aquela mensagem aqueceu meu coração e meu semblante triste suavizou. É bom quando as pessoas reconhecem alguma conquista sua, eu ficava feliz com isso. Provavelmente era alguém da equipe de natação, mas estava sem foto de perfil, então não sabia dizer quem era.

—Todos fomos incríveis lá, foi uma tarde maravilhosa, e obrigada pela mensagem, é legal de sua parte! Você deve ser da equipe também, poderia dizer quem é?

Rostinho lindo e memória de peixinho. Meus parabéns pela competição, garota potterhead. Foi bom te rever. — Meus olhos se arregalaram, não era possível que fosse... Aquele garoto do shopping outra vez! E agora com o número do meu telefone! Estava ficando cada vez mais curiosa para saber quem ele realmente era. Acabei por não responder, desliguei o aparelho e o deixei de lado, soltando um longo suspiro. Amanhã tentaria descobrir seu nome e todas as outras coisas que me deixaram curiosa sobre ele.

Esse foi de fato, um sábado desafiador.

Eu ia postar esse capítulo amanhã, mas fiquei tão ansiosa que resolvi postá-lo hoje mesmo, amo y amo.

"Todas as coisas que eu não te contei"Onde histórias criam vida. Descubra agora