Capítulo 1

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A manhã da primavera segue sendo monótona, por mais que fizesse sol e o céu estava aberto, continuava frio. Alguns feiches de luz atravessam a cortina da janela ao lado da minha cama e vão até meu rosto descoberto, me incomodando um pouco, viro pro lado e acabo por acordar sentindo a vibração do meu celular ao lado do travesseiro. Mais uma segunda-feira, mais um dia.

Eu me levanto e resolvo me arrumar um pouco mais rápido que o normal, pois tenho o péssimo hábito de me atrasar, o fato das minhas aulas terem mudado os horários bagunçou toda a minha "rotina", ainda mais agora que ficava dormindo até tarde.

Assim que me dirigi ao corredor, notei algumas caixas pelo chão, elas vinham do antigo escritório do meu pai e iam até escada abaixo, pelo visto meu padrasto estava reformando o cômodo o quanto antes, já que as mesmas caixas possuíam seus pertences dentro. Desci as escadas sem fazer barulho e logo notei a presença da minha mãe perto do balcão da cozinha, segurando uma xícara de café em uma mão e com a outra segurando o celular. Acredito que estivesse me esperando descer, e não demorou muito para me cumprimentar.

-Bom dia, cenourinha, tá muito atrasada pra tomar café da manhã com sua mãe?

"Cenourinha" era um apelido que meus pais haviam me dado desde pequena, talvez fosse por causa que meus dentes eram um tanto tortos na frente e isso fizesse a lembrança de um coelho. Eu tinha passado a não gostar tanto desse apelido ao mais tardar, porém, não comentei nada.

-Você sabe que o Sr.Kinsley anda pegando no meu pé nesse semestre, se eu atrasar um minuto se quer, é capaz dele me passar trabalho extra como forma de "castigo".

-Por quê seu professor de história tinha que ser tão chato? Você tem as melhores notas da turma e quase não falta as aulas!

"Se eu lhe mostrasse, diria o contrário."

-Essa é uma pergunta sem resposta, o jeito é ignorar a situação até que ela se resolva sozinha.

E era assim que eu lidava com meus problemas: ignorando-os completamente. Assim não precisaria ter o trabalho de me estressar ou perder noites de sono por isso, afinal, já havia perdido muito delas desde... o início do ano. Minha mãe revirou os olhos fazendo uma expressão insatisfeita pra mim e eu acenei um "tchau" de longe pra ela ao abrir a porta e sair de casa.

Ainda não tinha me acostumado com o fato de que agora teria de ir sozinha pra escola todos os dias, alguns meses atrás, meu melhor amigo estaria me esperando com sua bike retrô de cor amarela e cesta de madeira do outro lado da rua, hoje em dia, o que vejo é apenas pessoas aleatórias passando e nada mais. Esse lado da vida é tão sem cor e sem graça, se bem que, quando eu paro para olhar, tudo é sem cor e sem graça.

Passando meia hora, eu já estaria na entrada da escola, como sempre, minha melhor amiga tinha chegado antes. Como se atrasar quando se mora na mesma rua que sua escola, não é? Me aproximei sem assustá-la, já que a garota estava ouvindo música com seus air poids recém comprados, imagino que esteja tocando sua playlist aleatória com artistas brasileiros ou apenas uma com artistas internacionais, tipo: Katy Perry, Doja Cat ou Eminem, entre outros. Os gostos de Jackie eram bem previsíveis. Faço um breve cumprimento poucos metros de distância da mesma e ela dá uma pausa na música que estava a tocar assim que percebe minha presença.

-Atrasada como sempre, né? - Nos abraçamos por um tempo e eu suspiro em seu ouvido, um pouco ofegante

-Esse horário tá me confundindo completamente, saudades da minha antiga rotina...

-E sua "antiga rotina" se baseava no que? Ficar trancada no quarto ouvindo arctic monkeys e maratonando Harry Potter? - Me afastei com um sorriso amarelado e dando de ombros, não tinha muito o que dizer, por quê a garota estava certa.

-Me prometa que vai começar a dormir cedo, não quero que você durma na aula, com certeza não é assim que se recupera pontos.

Eu sei que Jackie não iria parar de falar o quanto dormir tarde e comer besteiras me deixaria mal no futuro, então, eu simplesmente concordei com tudo que ela dizia balançando a cabeça levemente. O sinal logo toca e vemos mais estudantes pelo corredor se esbarrando, murmúrios e risadas altas por toda parte. A garota segura a minha mão e me puxa para um abraço breve, me deixando ali para ir pra sua sala, fiz o mesmo, até chegar na porta da minha sala e dar um passo pra trás ao me lembrar de algo.

"Porra, esqueci o livro de história em casa!"

Antes mesmo de dar outro passo pra trás, o professor chegou na porta com sua pasta e o que parecia ser um burrito requentado, ele não parecia muito feliz, na verdade, ele nunca parecia feliz, sempre estava irritado com tudo e todos a sua volta. Desse jeito, parece até que estou falando sobre eu mesma.

-Não vai entrar, Srta.Evans?

-Ah, s-sim! Eu só estava...memorizando ou sei lá...

-Se for pra memorizar algo, espero que memorize as respostas certas, afinal, suas notas estão incrivelmente péssimas!

"Com você dizendo isso todos os dias, é incrivelmente impossível de esquecer."

Entro depois dele e vejo os alunos começarem a abrir seus livros, sei que os professores deveriam ser exigentes com seus alunos, mas o Sr.Kinsley parecia mais um general. Odiava as aulas dele, não pela matéria, e sim pelos seus discursos de ódio gratuitos, sobre qualquer coisa que envolvesse "nossa geração", resumindo: ele usava qualquer argumento estúpido para reforçar seus preconceitos. Um grande cuzão.

Mais uma segunda-feira, mais um dia.

"Todas as coisas que eu não te contei"Onde histórias criam vida. Descubra agora