Um cara que eu gosto

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Tive que amarrar meu casaco na cintura, por causa do calor. Nem sei porquê tive a brilhante ideia de vir com ele. O calor só não me incomodava mais do que a Larissa conversando com o Guilherme. Ela tava tão séria e ele parecia tão aflito. E eu já tava na entrada do Jardim Vermelho. Convidei o Guilherme pra vir comigo e com a Larissa. Percebi que ela não foi muito com a cara dele. E eu aqui pensando que ela teve uma quedinha, ai ai…
Repouso minhas costas no muro que ficava do lado da cerca de arames, enquanto esperava por eles. Eu gostava muito do Jardim Vermelho. Não sei qual é a história desse lugar, mas eu descobri ele, já faz quase dois anos. Era cheio de flores com vários tons de amarelo e laranja, mas todas elas eram diferentes. No centro do Jardim, tinha uma árvore esguia e bem grande. Seus galhos eram revestidos por vários ramalhetes de pétalas vermelhas. As pétalas que caíam ao redor da árvore, criavam um aconchegante tapete natural perfumado. Mó paz.
Sinto um choque de um peteleco no nariz, vindo de uma unha afiada e pintada de roxo. Soltei um gemido de dor e de susto. Larissa riu da minha cara de novo. Filha duma p--...
— Tá dormindo aí é? Vem, vamo pra lá pra dentro. – Ela tava sorrindo. Mas era tipo um sorriso do mal. O quê que ela falou pro Guilherme? Ele tava vindo meio cabisbaixo na minha direção.
— Oi! – Eu tinha que olhar bem pra cima pra falar com ele. Era tão legal! — Tá tudo bem? Que cara é essa?
— Não foi nada demais, hahah! – Ele disfarça, jogando a mão por trás da cabeça.
— Olha… A Larissa é meio possessiva, sabe? Mas ela não faz por mal, entende? – Seria a maior sacanagem ela espantar um cara como ele, logo de primeira. — O quê ela falou contigo?
— Bem… Vamos dizer que ela só me deu uma advertência… Mas, tá de boa, sério. – Não senti muita confiança, não… — Mudando de assunto agora ; Eu nunca vi esse lugar antes. É tão… Tão lindo aqui. – Ele observava ao redor do Jardim, impressionado.
— Que bom que você gostou! Mais pra dentro é ainda melhor, vem! – Seu sorriso era charmoso e elegante. Sempre me dava uma coisa que eu não conseguia explicar direito. Só sei que eu gostava.
Chegamos na parte que ficava a árvore Carmesim. No topo, bem em cima da copa, tinha a estrutura de um telhado em formato de abóboda. Na base da estrutura, ficavam quatro pilares que sustentavam a construção. De longe parecia um castelo. Desses de contos de fadas. Devia ser por isso que eu gostava tanto desse Jardim. A Larissa estava sentada com as costas apoiadas em um dos pilares. Ela bate a mão de leve do seu lado, pra que eu me sente ali. O Guilherme ficou em uma das pedras de decoração mais ao lado. Me senti meio pressionado. E o molho do dogão tava começando a escorrer na minha mão. Vai ser uma merda limpar isso depois. Dito isso, eu acabei sentando no meio dos dois. Foi só pra evitar treta mesmo. Larissa não gostou nem um pingo. Ahhahah! Agora é minha vez de te fazer de trouxa! Dei um mordidão no cachorro. O molho saiu pra todo lado, igual uma meleca. Que bosta! O Guilherme que tava tão quieto, rachou o bico. A Larissa riu da risada dele que era histérica. E eu acabei rindo também. Alegria, povo!
— E aí, como vocês se conheceram? – perguntou o Guilherme, depois da cena.
— Hum.. – Larissa tava com a boca cheia também. — Na escola mesmo. Na quarta série.
— O quê? Que incrível! – Guilherme arregalou os olhos. — Eu nunca conheci ninguém por tanto tempo!
— Pois é, tô aguentando essa figura aí por vários anos! Heheh!
— Você tá me aguentando, Raluca? Que cruel! Vou chorar..
— Engraçadinha!
— Mas e aí, Guilherme? Cê tem namorada? – Guilherme quase se engasgou com a pergunta da Larissa.
— Não, não tenho não, mas e você, Larissa?
— Tô na busca ainda, mas não sei se vai dar certo não.. – Ela apoia o rosto em uma das mãos. — Mas eu sei que alguém daqui, já, já, vai arrumar um namoro. Que sorte, né Raluca? – Ah, mas que garota inconveniente!
— Não sei de nada disso, não! – Mordi mais um pedaço do cachorro. Guilherme olhou pra mim bem na hora. Fiquei com vergonha e acabei me engasgando.
— Aaahh, ele ficou com vergooooonhaaa, hahaahaaahh!! – Desgraçada!
O Guilherme se aproximou de mim, com uma garrafa d'água e um guardanapo. Sentou do meu lado. E ele tava sorrindo. Não de deboche que nem a Larissa, mas era AQUELE sorriso. Larissa engoliu seco a gargalhada de agora a pouco. E eu tava paralisado. Meu coração tava tão acelerado que parecia que ia sair voando!
— Eu acho que todo mundo tem seu tempo. – Ele tava tão sério e tão seguro com o que tinha falado. Seus olhos se encontraram com os meus. Por um momento, me esqueci até mesmo que a Larissa tava com a gente. Eu não ia me importar se ele me beijasse bem naquela hora. Quer dizer, seria uma baita decepção se ele não curtisse ficar com garotos….
O clima foi todo pro espaço, depois que o som estridente e exagerado do sinal tocou. Acabou tão rápido, que foi frustrante. Não deu tempo de conhecer alguma coisa a mais sobre ele. E tampouco ele sobre mim. São coisas da vida, né?
— Nossa, por um momento, eu perdi a noção da hora, hein? Hahah! – disse Guilherme, igualmente decepcionado.
— Pois é… – Eu queria ficar mais um pouco com ele. A Larissa já tava até mesmo começando a se acostumar com a ideia também. Parou até mesmo de ficar com implicância. E vindo dela, isso é bem raro!
— Que tal, se a gente trocasse nossos números? – E de repente, eu fiquei bem mais contente! — Esse intervalo é mesmo bem palha! Por isso, eu acho que a gente podia ir embora junto também. Eu moro aqui pertinho, então, por mim não tem problema nenhum. O que acha?
  A ideia era tentadora, de verdade…
— Eu ia adorar! Mas… Eu moro longe. Tipo… Muito longe.. Quando saio da escola, tenho que ir voando pro ponto, se não, vou ficar esperando até bem mais tarde… – O sorriso dele murchou na hora. Ah, qual é, eu também fiquei triste! — Eu posso te passar meu número, pelo menos…
— Não tem problema.
Ele ficou bem pertinho de mim enquanto a gente teclava no celular. Encostei minha cabeça em seu peito. Dava pra ouvir o coração dele batendo. Tão rápido que era gostoso continuar escutando. Seu peito era forte e musculoso. Como um guarda costa. Ele cheirava a loção de barbear. Era agradável. Senti sua mão acariciando minha cabeça e descendo até minha nuca. Parecia que eu ia derreter. Eu o abracei forte. Eu queria beijá-lo! Queria muito! E acho que ele também queria… Mas ..
— Desculpa cortar o climinha entre os pombinhos, mas já deu né, rapaziada! – Tinha isso ainda! E eu não queria deixar a Larissa impaciente. — Acabou, que eu fiquei segurando vela do Raluca e do grandão aí. Cê também vai se atrasar, hein maluco!
— Certo, certo, hahahh! Ela tem razão, Raluca. – Ele passeia a mão pelo meu rosto, afastando uma mecha de cabelos. Mas me virei pra esconder as sardas… Ele ficou meio confuso, mas era bem complicado de explicar.
— Eu te mando mensagem depois, pode ser? – Foi o que sugeri pra amenizar a situação.
— Hãã… Claro, sem problemas! – Que ódio! Ele ficou todo sem graça. Eu acho que estraguei tudo!
— Então… Tchau, Guilherme! – Me despedi dele com um aperto de mão e um tapinha nas costas… Larissa ficou olhando sem entender nada… Eu também fiquei. E eu saí andando sem falar mais nada, direto pra minha sala.

Eu acho que fiquei nervoso demais…

— Me conta aí, Raluca! O quê que foi aquilo, hoje? Você saiu de lá, do nada, deixando o garoto com a maior cara de tacho… – Já dentro da sala, eu tentava muito me concentrar pra responder a Larissa. Já tava na cara, que ela ia perguntar. Mas minha cabeça rodava. Eu só queria ir embora pra casa e tomar um bom chá de morango. Era o meu favorito. Deitei minha cabeça na mesa e fechei os olhos. Não tava nem ligando pra Larissa me enchendo o saco. Ela não parava de ficar perguntando o motivo de eu ter saído igual um doido de lá do Jardim. Nem eu sei. Só sei que fui um idiota. Eu acho….
Meu celular vibra no meu bolso.
O professor não tava vendo. Aproveitei pra ver o que era.
Mensagem dele! Será que tava bravo comigo? De qualquer forma, acabei me animando.
" HEY!"
" Oiê!"
" Tá bem?"
" Tô sim, e vc?"
" Bem também, rsrs…"
  Digitando…..
  Ai, ai, ai, eu não tava gostando disso…
" Vc tá com raiva de mim?"
Ufa! Chega respirei aliviado. Ele só ficou confuso, heheh.. Que bom, né!
  " Ah, não não kkkk, vc não fez nada de errado, é que eu só fiquei meio nervoso e ---" Meu celular apagou, enquanto eu tava digitando. Sem bateria. Ahhhh, mas que porr--
— Raluca Granola! Está prestando atenção na matéria?!!
— T - tô sim, professor! – Fala sério…

As horas até o fim da aula se arrastaram, e eu só queria ir embora. Pelo menos, tinha acabado, finalmente! Larissa e eu seguimos até a saída. Era sempre uma merda dia de segunda-feira. Todo mundo ficava se empurrando, porque queria chegar em casa logo. O prédio em que as turmas do fundamental ficavam instalados tinha dois andares. No andar debaixo, eram as turmas do sexto ao oitavo ano. No de cima, as do nono ano. No total somavam 14 salas. Ao fundo do corredor do nosso andar, tinha a biblioteca da escola. Quando o fim das aulas do dia chegava, era um caos total! Um monte de criança barulhenta fedendo a fandangos e chiclete barato correndo como um bando de bicho selvagem. Ninguém merecia aquilo. O pessoal do ensino médio é que tinha sorte, eles tinham poucas turmas, e a parte do anexo era reservada só pra eles! E a cantina funcionava bem do lado das salas… Era um paraíso pra meu futuro acadêmico, estudando num colégio público.
Ficamos jogando um pouco de conversa fora, até todo mundo sair. Ou pelo menos, quase todo mundo. Era nossa estratégia pra não ficar no meio de uma muvuca maldita.
— O barulho tá parando. – disse Larissa, enquanto mexia no celular.
— É. – Fiquei observando o lado de fora pela janela. Talvez eu conseguisse vê-lo só um pouquinho daqui de cima… — Vamos descer?
— Vamo lá, tenho certeza que ele deve tá te esperando do lado da saída, igual no recreio.
— Você ainda fala "recreio"? Hahahh!
— Ah, vai se fuder, Raluca! Vamo logo, pra ver seu príncipe encantado!
— Hahahahhh, pior de tudo, que a gente não vai poder nem se falar direito. Meu busão já vai chegar. — Larissa me olha com desgosto.
— Você é muito enrolado, Raluca, taquipariu hein! – Ela saiu andando na minha frente.
— C- como assim, enrolado? Larissa! Espera aí!! – Fui correndo atrás dela. Enfio as mãos nos bolsos, só pra dar um confere. Droga! Esqueci minha carteira! Voltei pra dentro da sala e vasculhei debaixo da mesa. Ahá! Achei! Certo. Desci as escadas voando, e chegando perto da porta, ouço duas vozes conversando. Rindo. A da Larissa e a do… Guilherme? Sobre o que eles tavam falando? Não fiz nenhum barulho, mas me aproximei ao máximo pra escutar, sem ser visto.
— Ele já deve tá vindo. Deve ter esquecido alguma coisa lá em cima!
— Ah, eu espero de boa, não tenho hora pra chegar mesmo… — Ah, era só uma conversa de rotina..---
— Mas e então, Guilherme? – O - o quê? O tom de voz dela mudou… Não, não é possível, ela não seria capaz de fazer…
— Quê que você quer agora, hein?
— Calma, calma, hahah! Eu tava pensando sobre aquilo que você falou comigo antes, sabe? Sobre a gente ter começado com o pé esquerdo e tal…. – Ela tava querendo dar em cima dele? Ah, não pode ser, deve ser só paranóia minha!
— Hã… Ah, sobre isso? Relaxa, eu já tô de boa. A gente já resolveu com aquela conversa, lembra?
— É… Mas… Sei lá… Eu sei que você tá a fim do Raluca e tal, mas… Você nunca pensou… – Não, cara! Por favor!!! Não faz isso!!
— P- pensei… No quê? – Dá um fora nela, Guilherme!
— Você não curte ficar com garotas? – Dava pra escutar cada som daquela interação. As mãos dela, acariciavam o corpo dele… Que agonia… Por quê ela tava fazendo aquilo?
— Olha, eu não… – Já chega! Vou interromper isso agora!
— Larissa, eu já tô pron--
.
.
.
Eles …
Eles estavam…
Se beijando…
Se beijando pra valer…
Dava pra ver a língua deles se entrelaçando… Eles se acariciando daquele jeito. As mãos dele, passeavam pelo corpo dela, e ela gemia.. De prazer ..
Eles sequer notaram que eu tava ali…
Aquilo não podia tá acontecendo...

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⏰ Última atualização: Dec 23, 2021 ⏰

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