DOZE

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— Perdemos eles. — diz Chuck.
— Ah, que droga. — Marek se irrita.
— Há algum lugar em que você acha que eles podem ir? — pergunto.
— Não, — Marek diz — além daquele prédio, meu pai não iria.
— Eles tem outro. — interrompe Chuck — Eles me deixaram lá por um tempo, e de lá eles me controlavam, de lá eles controlavam tudo. A chuva de pedras na sua escola, Finn,  foi controlada de lá, e até mesmo a queda do hospital.
— Como? — fiquei abismado, apesar de saber que eles tinham feito aquilo.
— Eles construíram aquele prédio após você tocar na caixa, e escolher sua morte, o nome ficou como "Prédio da Justiça". — diz Chuck.
— Mas, eu já vivia aqui. Como ninguém viu isso? — Marek questiona.
— Eles não construiram aqui. — Chuck abaixa a cabeça — Eles construíram na dimensão dos Humanos, no nosso mundo, Finn.
E voltamos ao ponto zero.

~~~

Vamos dormir, passar uma noite, dentro do flutuante. Eles já dormem, e eu simplesmente não consigo, é muito peso pra mim, já se passa da meia noite, o que significa que meus pais morreram ontem. Um dia todos nós temos que passar por isso, ninguém é eterno. Mas quando esse dia chega, não há preparação. Não há saída, você simplesmente sofre.
A cada minuto, eu penso no amanhã, talvez eu esteja do mesmo jeito de agora, porém, as novas mortes seriam de meus amigos.
Eu também penso muito em como tudo vai ficar, quando isso acabar, eu perdi estudos, e sem família, não tenho mais como me sustentar. E agora nada me impede de continuar, pois, eu perdi tudo, eles tiraram tudo de mim, e não há volta.
Minutos e mais minutis se passam, as horas se estendem, e eu ainda não consigo dormir.
Vejo os primeiros fios solares. Os raios de sol, que me trazem lembranças de férias, e passeios que tive com minha família, bem, que tive com meu pai, pois minha mãe ficava parada e ao mesmo tempo resmungando... Antes eu odiava isso, agora daria tudo pra ter aqueles momentos de volta, aqueles que eu dizia que eram imperfeitos, eram maus perfeitos do que eu imagino.
Uma observação vem em minha mente: O sol. Ele não é que nem o da Terra, ele é muito mais laranja, parece que ele queima mais aqui, muito mais. Porém, sua função é a mesma.
— Bom dia — acorda Chuck.
— Bom. — respondo.
Marek se levanta, com cara de sono.
— Não podemos perder tempo, vamos pra Terra. — ele diz.
— Quais são os modos de ir até lá? A primeira vez que o vi, você surgiu de um portal. — digo.
— Oh, Finn, — Marek soa parecido com o pai dele — não é tão fácil, apenas os mais fortes fazem isso. Eu até poderia, mas lembre-se que sou um humano agora.
— Alguma idéia, então? — Chuck se dirige a Marek.
— Portais físicos. — Marek sussura.
— O que são? — eu pergunto.
— Os portais que tanto ouvi falar.— Marek está pensativo.
— Mas... desculpe, isso é estranho. — digo.
— Eu vivi aqui. Eles tem portais físicos, como os do prédio, creio que estão na casa de meu pai. Mas não será nada fácil entrar lá, ele deve ter protegido. — ele conclui.
— Bem, não podemos desistir agora. — Chuck está certo.
— Se eu tiver de morrer, que seja tentando ser útil. — Eu me encorajo.
— Vamos até lá. — Marek ri — Se sobrevivermos, podemos ser úteis.
Marek dirige, e estamos a caminho da casa de Hats.

~~~

Estou apreensivo. Quero logo chegar, preciso sair desse lugar, e tentar ser útil.
— Em uma língua da Terra, Hats significa "Chapéus". — Chuck usa aquilo pra descontrair.
— Sim, eu sei, eu conheço sua linguagem. — Marek ri.
— Todos aqui conhecem. — Chuck olha pra ele com tédio.
— Na verdade, — interrompo — não! Apenas os membros do governo, os de mais alto padrão podem aprender a se comunicar com um humano.
— Oh, — Chuck parece surpreso. — então deve ser por esta razão que quando eu falava com soldados, eles fingiam que eu não estava ali.
— Nossa, Chuck. Como você nunca havia percebido isso? — Marek cai na gargalhada.
— Não me pergunte isso. — ele responde.
— Também confesso que houve muitas coisas aqui que me deixaram surpreso.— eu digo.
— Deve ser de Família. — responde Chuck.
"Família", não, não, não, não.
Tudo que eu menos queria ouvir agora, é Chuck dizendo que somos da mesma família. Eu penso em me julgar, mas, ao mesmo tempo, lembro que ninguém nunca superaria o fato de seu irmão ter feito tudo o que o meu fez. Não, não dá.
Continuamos indo, atravessando florestas e pântanos que são, no mínimo, sombrios.
Hats sabe onde se esconder, isso é o que eu mais me impressiono. E também é o que mais me deixa nervoso.

~~~

— Falta pouco. — Marek nos acorda, mais um dia se passou.
A paisagem ainda é a mesma: espécies de árvores que não há no meu mundo, arbustos, que me lembram tristeza e morte. Percebo que aqui não há animais. E ao lembrar dos animais, lembro-me de comida, preciso comer, estamos todos famintos.
— Devemos comer. — digo.
— Não há comida em um mundo para mortos. — Chuck fala.
— Eu sei o que devemos fazer, mas, não vai ser algo agradável. — diz Marek.
— Eu não vou morrer sendo um inútil. — Digo pra mim mesmo.
— Urina. — diz Chuck.
— Aaaaah, — faço uma cara de nojo — não.
— E... — Chuck ri — Vamos nos tornar vegetarianos.
— Oh, — Marek faz a mesma expressão que eu — vamos virar bois.
Olho em direção a floresta, e vejo algumas plantinhas. Andamos em direção a elas, e ao chegar perto, vemos que elas parecem com alface. Eu odeio alface, essa imitação dele deve ser pior ainda.
O primeiro a pegar é Chuck. Ele puxa umas folhas e enfia na boca. Ele faz uma leve careta, mas já engoliu.
Faço o mesmo. A planta é azeda. Fico imaginando se ela for venenosa. Eis que estou na mão do destino, de novo.
Antes que Marek ligue o flutuante, eu tenho que beber "Água".

~~~

Passamos por muitas coisas, e o que houve hoje entrou pra lista das piores.
— Há soldados a frente. — Marek avisa.
— Chuck, você pode dar uma ajudinha aqui? — digo.
— Sim. — ele se concentra.
Chegamos perto deles, e eles mandam a gente parar o carro. Ele conversa com Marek. Já que Marek é o único que fala a língua deles, eu e Chuck ficamos perdidos, porém, atentos. Após uma longa conversa entre os dois, eu e Chuck já estamos entediados, e acreditamos que é uma espécie de interrogatório.
— Chuck! Agora! — Marek grita.
— Oh, — Chuck se assusta.
Eu me abaixo atrás dos bancos. Marek soca a cara do interrogador, e Chuck age: todos os soldados são levitados, a uma altura de quarenta metros. Ele se esperneiam lá em cima. Chuck os joga no chão, e esmaga todos com a própria gravidade.
Ouço o soldado que interrogava falar em uma espécie de fone. E em questão de segundos. Há muito mais soldados.
— Devemos fugir. — Marek diz.
— Pra perto da sociedade. — Chuck dá a idéia de infiltração.
— Mas... — Sou interrompido.
— Depois, vamos até a casa de meu pai. — Marek toca em meu ombro, e me deuxa mais nervoso.
— Como ousam? Chegamos até aqui! — Grito.
— Não tenho tempo pra briguinhas. — diz Chuck.
Sinto minha cabeça explodir. Mas foi Chuck. Estou desativado. Mas consigo pensar. Estou vivo.
Fui rendido.

A Profecia MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora