Capítulo 04

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Capítulo 04

         Michael Hanson despertou de seu sono tortuoso ouvindo a segunda badalada, sentou-se esfregando o rosto com as duas mãos. De repente ouviu um som de sinos vindo da sala, abaixou as mãos encarando a porta. Uma luz flamejante vinha por debaixo da porta, levantou-se da cama calçando seus chinelos aproximando-se cauteloso.
          ─ Michael Hanson! ─ Chamou uma voz firme como um trovão em noites de tempestade. Ele hesitou. ─ Venha me conhecer Michael Hanson! ─ Chamou novamente. Desta vez Michael não hesitou, girou a maçaneta abrindo a porta. Uma forte luz cegou os seus olhos e os sons de mil sinos quase estouraram seus tímpanos, ele tapou os ouvidos com as mãos de olhos fechados gritando.
          ─ Abra os olhos e me veja. ─ Ordenou a voz impetuosa.
          Michael abriu os olhos receoso, a luz diminuiu tornando-se suportável, e o barulho sessou. Diante dele, Michael pode contemplar a figura de um homem extremamente magro, suas clavículas saltavam da pele e seu rosto exibia as curvas ósseas. Dentes fracos e amarelados, sentado em uma cadeira de madeira gasta com uma roupa vermelha surrada. Segurava uma bengala com alguns sinos amarrados, atrás dele um pinheiro pouco enfeitado e ao seu lado um saco de presentes vazio e empoeirado. Olhando bem Michael encontrou nele a mesma semelhança que encontrara no Espirito dos Natais Passados a ele mesmo.
           ─ Quem é você? ─ Perguntou sem disfarçar seu horror.
           ─ Sou o Espírito dos Natais Presentes. ─ Respondeu com a voz que não parecia pertencer àquele homem franzino.
           ─ Vestido dessa maneira parece o Papai Noel, mas ele é sempre grande, com uma barriga enorme e barba branca e comprida. Mas você é pequeno e quase sem vida. ─ Comentou sem modéstia.
           ─ Eu já fui assim, feliz e cheio de alegria, aos que em mim acreditavam e celebravam. Entretanto, hoje visto-me com a face daqueles pobres miseráveis assim como você que me matam ano após ano. ─ Respondeu o Espírito batendo sua bengala no chão sacudindo os sinos causando um forte barulho. Michael resistiu.
           O Espírito se levantou com as pernas finas e tremulas.
           ─ Venha, segure em minha bengala. ─ Chamou o Espírito.
           ─ Para quê? ─ Perguntou Michael duvidoso.
           ─ Quero te levar a um lugar. ─ Respondeu com ar cansado.
           Michael ponderou aproximando-se do homem segurando no cabo da bengala. E a forte luz de outrora acendeu cercando-os por completo. Em segundos a luz dissipou e Michael se viu diante o Portão da Esperança. Ele se lembrava de ter estado ali quando a pequena Cleo tentou lhe dar um panfleto para a Missa de Natal. A janela de vidro era grande e dava de ver tudo o que estava acontecendo lá dentro.

            Lá dentro a árvore de natal de quase dois metros estava enfeitada e cheia de presentes. Cleo mal via a hora de poder abrir seu presente. Sua mãe distribuiu as caixas de presentes aos demais. Chegando a sua vez, Cleo rasgou o embrulho em questão de segundos, ao abrir a caixa seu sorriso se desfez.
            ─ Eu pedi uma boneca que fala! ─ Resmungou Cleo irritada retirando da caixa um jogo de quebra cabeças.
            ─ Querida, talvez o Papai Noel não tenha lido a sua cartinha, e não acertou o seu pedido. Mas ano que vem vai que ele acerta? ─ Exclamou a mãe de Cleo tentando amenizar a situação.
            ─ Eu sei que quem me deu esse presente idiota não foi o Papai Noel, porque ele não existe. ─ Rebateu Cleo jogando o presente com força no chão. Michael percebeu que o Espírito se arrepiou por inteiro. A mãe de Cleo recolheu o presente pasma com aquela atitude.
            ─ Como pode dizer isso? Claro que ele existe. ─ Repreendeu ela.
            ─ O senhor Hanson disse que não existe. ─ Insistiu Cleo revoltada.
             Michael ficou surpreso ao ouvi-la.
            ─ Você não deve acreditar no que um homem louco e infeliz diz. Deus me perdoe, mas fico feliz por Deus ter tirado a filha dele, um homem ruim daquele não merece ser pai e educar uma criança. Um irresponsável. ─ Declarou a mãe de Cleo com frieza. Michael cuspiu no chão.
            ─ Você se considera um homem bom? ─ Perguntou o Espírito.
            ─ Claro que sim! ─ Respondeu Michael com firmeza.
            O Espírito mostrou um sorriso balançando a cabeça em positivo.
            ─ Vamos! ─ Chamou erguendo a bengala, Michael segurou e a luz acendeu outra vez.

            Assim que Michael abriu os olhos viu-se debaixo de uma ponte cheia de mendigos e cães de rua.
            ─ Outra vez me trouxe para este lugar? ─ Perguntou Michael em tom de ofensa.
            ─ Você já esteve aqui? ─ Perguntou o Espírito o encarando.
            ─ Infelizmente, o Espírito dos Natais Passados me trouxe para ver que fim um certo garoto chegou. ─ Respondeu com despeito. O Espírito seguiu a diante e Michael o seguiu.
            ─ E você não se compadeceu por ele? ─ Perguntou o Espírito.
            ─ E por que eu deveria? Só porque compartilhamos da mesma dor por termos perdido um ente querido? Existe diversas instituições de caridade e até ONGs que fazem muito por eles. Só quero ficar em paz sem ser atormentado por ninguém. ─ Declarou com frieza enquanto andava ao lado do Espírito.
             ─ Não ser atormentado por ninguém, nem mesmo por uma criança de rua e seu gato faminto? ─ Perguntou o Espírito.
             ─ Como você sabe que já fui importunado? ─ Perguntou ele franzindo o cenho.                
             ─ Você se lembra dela? ─ Perguntou o Espírito parando diante uma menina deitada em cima de papelão e panos velhos ardendo em febre.
             ─ Ela está com febre. ─ Notou Michael surpreso.
             ─ Depois de você ter dado um banho de água fria e suja nela. ─ Confirmou o Espírito.
             ─ Sim, mas eu queria apenas expulsar o gato que estava comendo minha sopa. ─ Disse Michael em defesa.
             ─ A sopa que você vinha requentando a semana inteira e que poderia fazer mais depois? ─ Questionou o Espírito em tom esnobe.
             ─ Como ela pode viver aqui? Não tem ninguém aqui que possa ajudá-la? Onde estão os pais dela? ─ Interrogou Michael preocupado.
             ─ Vamos torcer que alguma instituição de caridade ou até mesmo uma ONG a ajude. ─ Rebateu em desdém. Um silêncio se fez. ─  Acabou. ─  Disse confirmando a morte da menina. Alguns mendigos começaram a pegar as coisas da menina aproveitando que ela não poderia impedi-los.
             ─ Eles a estão roubando, Espírito por favor faça alguma coisa! ─ Implorou desesperado procurando pelo Espírito, ao virar-se foi surpreendido com um banho de água fria e suja.
           ─ O que significa isso? ─ Berrou histórico, seu queixo tremia de frio.
           O Espírito gargalhou e não parava de gargalhar. Jogou mais água fria sobre Michael sem parar de rir. Vendo que o Espírito estava adorando importuná-lo querendo que ele sentisse na pele o que causara àquela menina, correu fugindo dali. Ele ouvia a gargalhadas do Espírito o perseguindo, correu o máximo que podia chegando na cidade. Parou controlando o fôlego, olhou para todos os lados procurando pelo Espírito, mas ele tinha desaparecido.

O Natal de Michael Hanson Onde histórias criam vida. Descubra agora