CAPÍTULO IX, VI VOCÊ OLHANDO AS FLORES

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Sentados em uma mesa no que mais parecia ser uma estufa, dávamos risadas ao escutar Tadeu contando algumas de suas hilárias histórias. Ele, sentado à minha frente, bebia uma taça de vinho acompanhado de Jones, enquanto eu, Jae e Ye-Jun tínhamos optado por uma xícara generosa de café. A estufa, cercada dos mais variados ramos de flores, era reservada e distante do resto da cafeteria, nos dando privacidade para conversar tranquilamente sem que o idol ao meu lado ficasse preocupado.

Eu ainda não sabia sua versão das coisas, para ser sincera. Poderíamos estar neste exato momento conversando com o maior dos plagiadores do mundo, mas por alguma razão eu não me sentia no direito de julgá-lo. E bem, sua companhia estava sendo agradável.

— É a cafeteria de um amigo, ele sempre me reserva esse espaço para que eu possa ter privacidade.

Olho na direção da voz, entendendo o que Ye-Jun falava. Ele parecia querer falar apenas comigo, já que sua proximidade e seu tom manso não eram direcionados a todos da mesa. Parecendo à vontade, ele leva sua xícara a boca antes de continuar falando:

— Você ainda não me contou sua história.

— Bom, vejamos, por onde começar? — reflito um pouco procurando as palavras certas. — Sou brasileira — minha família toda é, na verdade. Iniciei minha carreira fazendo algumas propagandas na TV, ainda criança, e depois decidi que queria ser atriz. Não deu muito certo, pelo visto, já que meus papéis não tiveram muito reconhecimento. Estou viajando divulgando meu primeiro trabalho como protagonista, mas as coisas desandaram um pouco.

Puxo o ar com tanta força que precisei pôr a mão no peito para massageá-lo. Quem diria que um dia eu contaria tão abertamente minha vida para um estranho completo, e que ainda por cima estava tão no fim de carreira quanto eu.

— Também comecei muito jovem, mas sempre foi uma certeza pra mim. Eu não tive muito o apoio da minha família, mas consegui fazer sucesso rápido depois da minha primeira aparição. Sou um cantor solo, ou era, não sei explicar em que ponto minha carreira está no momento. Até cogitei voltar ao serviço militar. — Ele ri, como se contasse uma piada.

Lembro que na Coreia o serviço militar para os homens era obrigatório e que inclusive alguns idols e atores passavam por grandes dilemas antes do alistamento. E se meu inglês estava bom mesmo, Ye-Jun já tinha cumprido seu serviço.

— Fui presa assim que cheguei em Seul. Uma senhora disse que eu e Tadeu tínhamos assaltado ela.

— E eu estou sendo acusado de plágio... Espera! Presa??—ele se sobressaltou da cadeira e esbugalhou seus olhos finos, afastando levemente sua cabeça da minha.

Eu tinha vontade de rir, para ser sincera. Minhas futuras gerações agradeceriam o rumo que minha vida tinha tomado e com certeza dariam muitas risadas. Minha família ainda nem suspeitava que o motivo de eu ter escolhido ficar mais tempo na Coreia do Sul é porque não posso sair daqui. Dona Adélia, minha mãe, sem dúvida, me mataria depois de olhar que eu estava viva e sem qualquer arranhão.

— Presa. Por isso aumentei minha estadia aqui. Não posso ir embora até que o caso seja resolvido e meu passaporte entregue de volta. Tadeu também.—eu apontava discretamente para meu melhor amigo que continuava em uma conversa animada com os demais à mesa.

— E você sabe até quando vai ficar?—Ye-Jun perguntava, ainda surpreso com todas as minhas explicações.

— Não. Mas espero que não por muito tempo. E você, como vai lidar com o plágio, Ye-Jun?— Tomo mais um gole do café à minha frente.

— Jun. Tudo bem se você me chamar apenas de Jun. — ele coça a garganta antes de continuar. — Sabe, um tempo atrás me questionei se valia a pena passar por tudo isso. As coisas nem sempre são como queremos, Ayla, e muitas pessoas à nossa volta não são verdadeiras.

De Norte a Sul, Leste OesteOnde histórias criam vida. Descubra agora