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 a rebelde pós pandemia

1.

Nínive, antigo Brasil - 2024

Dalila Foster

Eu cheirava a peixe cru. Sentia o sal da terra infiltrar-se até os meus ossos, deixando minha pele ressecada em um grau assustador. Precisava entrar no banheiro imediatamente se quisesse ter tempo para curar as feridas antes que elas infeccionassem. No entanto, duvidava que as dez pessoas à minha frente cederiam seu lugar para mim.

Com o tempo ainda frio e escuro, faltavam algumas horas para o dia realmente amanhecer. Eu abraçava meu corpo com força, tentando me proteger dos espasmos dolorosos da ferida e do vento batendo no vestido fino e desgastado. Desta vez, não podia me dar ao luxo de ignorar os ferimentos. Morreria de qualquer forma um dia, mas não aceitava ser devorada pelas bactérias roendo minha pele.

Sinto um puxão no meu vestido. Ergo a cabeça e olho diretamente nos olhos castanhos de Manuela.

— Você realmente quer se suicidar, não é? — sussurra em tom brusco, como se estivesse lendo meus pensamentos.

— Quem me dera... — digo esperançosa, levando um tapa extremamente forte dela.

— Quem me dera uma desgraça! Vamos, ande logo. Temos que chegar antes que o sol apareça.

Respiro fundo, encarando a fila. Eu não tinha outra escolha a não ser esperar.

— Preciso de um banho.

— Isso mesmo, Dalila. Você precisa de um banho. Um banho! Não de outra surra. Mexa-se, já estamos atrasadas.

Bato o pé no chão.

— Por favor, me deixe aqui e vá para o Armazém.

— Dalila, você já está na lista...

— Uma de nós duas precisa estar bem fisicamente. — interrompo seu discurso.

Manuela olha-me fazendo careta.

— Você é tão teimosa... — suspira drasticamente, pegando sua mochila do chão.

— Eu sei, minhas costas agradecem por isso!

— Pare de brincar com a sorte, Dalila — desfere outro tapa no meu braço.

Faço careta e aliso o local.

— Nem faço ideia do que seja sorte. Vá. Cubra-me até eu chegar.

Ela hesita um pouco, observa a fila uma última vez e balança a cabeça. Se despede toda tristonha, indo em direção ao enorme salão adaptado como cozinha.

Notei a atenção que os guardas militares direcionavam a cada passo dela. Apesar dos maus tratos, Manuela continuava linda e chamava bastante atenção. Sua pele, que um dia fora branca, estava avermelhada, parecendo um bronzeado malfeito. O cabelo encardido e as manchas de ressecamento não tiravam a beleza de seu rosto e, mesmo presenciando todo tipo de maldade, ela permanecia empática com todos ao seu redor e sempre acreditava em dias melhores, onde tudo voltasse ao normal.

Seja o que for que "normal" signifique. Não me recordo de como era o mundo antes da Inquisição.

A fila se dispersou um pouco, pois algumas pessoas desistiram de esperar e outras apenas entravam no chuveiro para molhar o corpo. Logo o sol começa a despontar e meu estômago dá um salto, mas entro rapidamente no banheiro.

Cheiro o recipiente onde coloquei a cataplasma. Fiz tudo às pressas e com poucas coisas que havia conseguido: farinha roubada do Armazém, óleo extraído do coco, casca de carvalho e algumas camomilas. Já tinha moído tudo, apenas misturo com a água fria e faço todo o processo, finalizando em tempo recorde.

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