XXV. Like a tidal wave, I'll make a mess

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Seven Sisters, Seaford, maio de 1963

Depois de fugir da Irlanda, Saoirse raramente sonhava com algo palpável ou visível, com seus sonhos parecendo apenas fragmentos de algo que um dia já foi real. Não haviam rostos definidos ou pessoas conhecidas, lembrando apenas a visão borrada de uma janela em um dia de chuva.

Ela já tinha se acostumado com esse vazio dentro de seu subconsciente, sem pessoas ou algo ao que se identificar, mas algo mudou depois do dia do casamento de Cecil, agora que seus lábios sabiam o gosto dos de Emma e seu corpo havia desfrutado uma parte do calor emanado por ela.

Saoirse se sentia incerta sobre muita coisa desde sempre, mas após aquele beijo, uma espécie de chave virou em sua mente, trazendo uma nova realidade.

E isso se concretizou quando Saoirse a viu em seu sonho pela primeira vez.

Seus olhos demoraram a se adaptar àquele cenário estranho, que após uma análise breve nos seus detalhes, a irlandesa notou se tratar do ateliê retratado na pintura que testemunhou seu beijo com Emma. A luz do sol entrava pelo lugar preenchendo os pontos escuros como um tapete dourado banhando até mesmo seu corpo, que para seu breve espanto, estava coberto com o mesmo robe fino da musa.

Sua exclamação de susto atraiu a atenção de alguém que caminhava por trás da tela branca no meio do cenário e colocando apenas sua cabeça à vista, Emma apareceu.

"Saoirse?", a irlandesa caminhou com cuidado até a mulher, que inicialmente imaginou estar vestida como a pintora, mas bastou um olhar mais atento para notar que Watson também trajava um robe quase transparente, desafiando o olhar de Saoirse a observá-la tal qual a musa do quadro o fazia.

Engolindo seu impulso monumental de encarar o corpo quase descoberto de Emma, a loira se aproximou tocando o ombro da castanha para confirmar sua presença ali.

"Meu Deus, isso não faz nenhum sentido...", comentou Saoirse em meio a um riso nervoso que foi acompanhado por Emma.

"Bem, talvez tenha algum... Já pensou por esse lado?", questionou a inglesa se aproximando perigosamente, mas de um jeito que Saoirse gostou de receber o calor de sua pele. "Imagino que também esteja com esse robe, certo?"

"Sua imaginação é muito fértil, Watson...", disse a mulher permitindo que seus dedos brincassem com a ponta do robe de Emma, que retribuiu o gesto pegando o tecido de Saoirse com seus dois dedos e o usando de guia, subindo lentamente a pele da loira arrepiada com seu toque progressivo.

"Você ainda não viu nem metade...", sussurrou a britânica terminando seu trajeto, atingindo o pescoço de Ronan, o contornado com delicadeza usando apenas um de seus dedos e tornando a usar o outro quando alcançou seus lábios como no dia da apresentação de Gillian em Londres. Saoirse deixou que o toque pairasse perto de sua boca e com uma leveza tão grande quanto uma rosa em seu desabrochar, permitindo que os dedos de Watson adentrassem seus lábios em um movimento decidido e desejoso.

O tamanho deleite na expressão de Emma diante da sensação calorosa gerou uma vertigem intensa nos sentidos mais urgentes de Saoirse, tornando o cenário do sonho mais distante e borrado.

O som de cortinas sendo abertas com afinco a fez acordar em um sobressalto, ainda sentindo o suor grudando seus cabelos a sua fronte e seu coração quase escapando pela garganta.

"Vamos, acorde logo! O dia está tão lindo para se desperdiçar", Celia cruzou o quarto abrindo o restante das cortinas presentes no cômodo alheia a expressão confusa de Saoirse ainda se recuperando do estranho sonho. A mulher parou diante da cama e com suas sobrancelhas estreitas, questionou: "Aconteceu algo? Você parece meio pálida."

"Ah não, eu estou ótima...", disse ela se erguendo num impulso para confirmar sua frase e atirando os lençóis num canto da cama. Celia se convenceu de seu vigor e deixou com a promessa de que aproveitariam ao máximo aqueles dois dias na casa de praia da família, uma atitude incomum vinda dela e que todos ainda tentavam se adaptar.

Depois de sua higiene matinal realizada sob a tensão da imaginação fértil até demais de seu subconsciente, Saoirse desceu as escadas de madeira no canto da sala e avistou Emma ao longe, na mesa da cozinha que possuía uma vista para o cenário paradisíaco do lugar, ao qual Watson estava alheia e com um certo desconforto em sua expressao, talvez pelo barulho. Aos seus pés estava Albert, ainda adormecido da viagem que fez até a casa com o auxílio de alguém que com certeza constituía as ramificações dos poderes contidos pelas Watson e que Saoirse jamais compreenderia e como Daniel comentou, a classe trabalhadora que vive em sua origem ficaria espantada com essa realidade.

Mas trazer o cão fez Emma animar um pouco os ânimos, algo que já tinha acontecido depois do casamento mesmo que a razão tenha ficado em segredo por todo o trajeto para a casa de praia e as duas não chegaram a falar muito depois de sua chegada, estando esgotadas pela festa e a viagem.

As palavras ditas pela Emma criada por sua mente ainda ecoavam em seus ouvidos quando a irlandesa sentou na mesa diante da Emma real, mexendo com uma delicadeza aristocrática uma xícara de chá acompanhada de torradas. A loira pigarreou, atraindo a atenção dos olhos opacos da inglesa, e Saoirse disse:

"Bom dia, Emma..."

"Bom dia, Saoirse... Alguma programação para hoje? Ou Celia mudou de ideia?"

"Por enquanto os planos de aproveitarmos a estadia permanecem do mesmo jeito...", ela se serviu de uma caneca de café enquanto ouvia o som do mar adentrar a cozinha com mais intensidade. "Você pensa em visitar a praia?"

"Não sei ainda... Esses anos tão afastada desse ambiente me trouxeram uma estranheza", respondeu a britânica dando ênfase na última palavra antes de tomar um pouco do chá. Saoirse pegou uma das torradas dispostas em uma grande cesta e a banhou com geléia, um hábito que fazia Eilis franzir o rosto em uma expressão de nojo.

Ela mordeu um pedaço da torrada e ficou com seu olhar fixo na mulher à sua frente enquanto prosseguia em sua refeição matinal, e a viu fazer o mesmo com a xícara a poucos centímetros de seu rosto que Saoirse jamais notou ser tão angular e com pontos fortes, principalmente em sua mandíbula. A luz clara que a manhã emanava naquele dia criava efeito hipnotizante em seus olhos e nas sardas que pareciam florescer em apenas alguns pontos de seu rosto.

E claro, suas mãos, tensionadas em torno da xícara morna de chá, revelando alguma veias e pontos de suas articulações que só fizeram a maldita imaginação de Saoirse dar voltas em torno de si mesma.

"Saoirse... Tenho quase certeza de que você está me encarando fixamente como uma voyager, estou certa?", a irlandesa quase engasgou com seu café tentando se recompor e Watson riu jogando sua cabeça para trás diante da reação dela. Albert se ergueu em uma súbita descarga de energia tentando entender o que aconteceu e encarou as duas mulheres em busca disso. "Meu Deus, você é tão previsível..."

"Eu, previsível?", questionou Saoirse com um pouco da presunção emprestada das falas de Emma, algo que a deixou visivelmente mexida.

"Bem, acho que você entendeu...", ela colocou a xícara com cuidado sobre a mesa e tomou a bengala de madeira ao seu lado, um sinal que fez Albert acompanhá-la em seu trajeto até o lado oposto da mesa, tocando o ombro de Saoirse para se localizar. "Ei, eu não sei se deixei muito claro isso antes mas... Estou muito feliz por termos nos beijado, deve ser meio tosco da minha parte dizer isso ou..."

"Não, de nenhuma maneira...", respondeu a irlandesa em um tom doce e tocando a mão de Watson pousada em seu ombro coberto por camadas de tecido mais grosso contra o frio matinal. "Isso não é tosco de jeito algum, na verdade, eu também estou feliz por isso."

O sorriso que Emma abriu ao ouvir essa afirmação soou tão doce e vulnerável em demonstrar suas emoções que Saoirse se ergueu, ficando da altura da castanha, e beijou seu rosto de maneira demorada e contendo a vontade de alcançar seus lábios.

Saoirse sorriu de maneira satisfeita ao afastar seu rosto da inglesa e ela andou um pouco mais à frente, dizendo com uma súbita animação:

"Estou com uma ótima sensação sobre esse final de semana."

E Saoirse não podia concordar mais com a britânica, porque só Deus sabia o quanto ela estava entregue a todas as afirmações, dúvidas, idas e vindas de humores naquela intensa maresia que era Emma.

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