Capítulo 4

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"Está tudo bem em sermos diferentes. Está tudo bem em sair da margem e deixar de ser a cópia da cópia da cópia."
O amor não é óbvio.

 
  Depois de uma semana as coisas realmente voltaram ao normal. Enquanto eu caminhava até a sala de literatura algumas garotas do primeiro ano encaravam minhas pernas com a meia colorida e cochichavam.
  Entrei na sala e me sentei em um lugar no meio da fileira da janela, vi aquela garota entrar, meu olhar se cruzou com o dela e senti um arrepio na nuca, a mesma logo desviou o olhar para as minhas meias e então começou a andar.
  Ah, não, não, não, não, não.
  Ela se sentou atrás de mim.
                             *
  Duas semanas atrás a garota entrou na mesma sala de literatura que eu, duas semanas atrás percebi que ela era da minha sala nas matérias gerais, sempre no fundo, sempre quieta, sempre cheia de anéis nos dedos.
  Ela não falava comigo, eu não falava com ela.
  Ela não me encarava, eu não encarava ela.
  Ótimo.
  Estava sentada na minha cama esperando Agatha se arrumar quando a mesma saiu do banheiro com o cabelo bagunçado e o celular na mão, ela dava gritinhos animados.
  - Ele me mandou mensagem! -  saltitava e ria sozinha - Depois de três semanas!
  Não precisava perguntar pra saber de quem ela estava falando.
  - O que ele mandou? - perguntei sorrindo feliz pela felicidade dela.
  - Disse que faz um tempinho que não conversamos e que está sentindo minha falta - seu sorriso ia de orelha a orelha - , isso quer dizer que ele gosta de mim, não é? - ela falava sem parar - porque ele disse que sente minha falta e não dá pra sentir falta de alguém que você não gosta e seguindo por esse raciocínio...
  - Você está de pijama ainda?! - quase grito quando reparo em seu corpo na camisola de corações - Seguindo por esse raciocínio eu vou chegar atrasada na aula, já são seis e meia e temos que tomar café ainda.
  - Pode ir indo - diz voltando pro banheiro.
  - Te vejo mais tarde! - gritei jogando a mochila nas costas e saindo.
  Percorri o refeitório inteiro com meus olhos, Alice e Zoe não estavam, me sentei sozinha em uma mesa e comecei a comer.
  - Lav, posso me sentar aqui? - ouvi uma voz conhecida.
  Ergui a cabeça e vi uma menina de cabelo azul.
  Lana?
  Cabelo azul?
  - Claro! - ela então se sentou na minha frente - Porra, como você mudou!
  Com certeza ela não é mais a menina de cabelos pretos longos do ano passado.
  - E não foi só por fora - diz e sorri.
  - Ficou incrível, sério! Você pintou por algum motivo em especial?
  - Hum...  não por um motivo, foram várias coisas, sabe quando você se renova? Você acha seu caminho, pessoas legais, uma alma gêmea talvez, conta a verdade, não se esconde mais, tira um peso das suas costas e começa a fazer tudo diferente, acho que eu melhorei e mudei por dentro, então por que não mostrar isso por fora? É uma maneira de recomeçar, eu acho - ela solta um risinho no final.
  Lana sempre foi... Lana, a menina que quase sempre está sozinha ou com poucas pessoas, sempre mais quieta e imprevisível. Conheci ela através de Agatha, já que a loira sempre faz amizade com todo mundo.
  - Nossa, que legal, e que bom que você está bem agora, de verdade - digo e mordo um pedaço de banana - Então você acha que conheceu uma alma gêmea?
  - Você sente quando é especial - ela cora levemente -, é muito bom, o sentimento, de se sentir bem com alguém ao ponto de pensar "Acho que achei minha alma gêmea e quero passar o resto da minha vida com ela", é claro que pode dar errado, mas acho que vale a pena.
  Ás vezes não vale a pena.
  - Fico feliz por você, mesmo. E o que é o peso? Que você tirou das costas? - pergunto curiosa.
  - Acho que foi sair do armário - diz e sorri.
  AH RÁ.
  Embora eu nunca tenha visto Lana com outra garota em sentido romântico e ela nunca tenha falado sobre isso antes, eu sabia, eu simplesmente sabia.
  - Você saiu? Tipo, pra valer? Seus pais sabem?
  - Sim, eu saí pra todos, de uma vez, e foi... bom, é claro que não se deve ter pressa, tudo tem que ser no seu tempo, caso contrário a bagunça pode ser grande - conclui.
  - Nossa, parabéns, deve ser um alívio né? - de repente me sinto "presa", como se eu estivesse mentindo para algumas pessoas.
  - Você não é assumida, Lav? - pergunta com calma.
  - Mais ou menos, eu não me importo que as pessoas saibam, e eu falo sobre livremente, mas com a minha família...
  - A família é sempre o mais difícil eu acho, porque sentimos uma nessecidade de ser aceitos por ela muito grande. - concordo - Meu pai levou de boa, mas quando eu disse: "Mãe, eu sou bissexual", jurei que ela ficaria louca, ela não teve uma reação muito boa de início, achava estranho, e que eu era doida, mas ela me aceitou depois de uns quinze dias.
  - Ah, você é bi então, acho que você vai entender quando eu disser que um dos meus medos é ouvir "Você está indecisa" ou "Falta de vergonha na cara" - dei uma risada desanimada.
  - Esse também era um dos meus medos, você é bi também? Eu sei que você fica com meninas mas não sei sua sexualidade...
  - Eu sou pan.
  Ouço o sinal bater, indicando o começo das aulas.
  Puta merda, vou chegar atrasada de todo jeito.
                              *
  Aquela menina não apareceu em nenhuma aula e estranhei.
  Eu e Agatha estávamos arrumando nossas mochilas para irmos passar o fim de semana em casa.
  - Você reparou que a menina do cabelo vermelho não apareceu nas aulas hoje? - perguntei.
  - Ahn...? - ela parecia confusa, pensou por um instante e falou: - E?
  Fiquei sem reação, não esperava um "E?"
  - E nada, só comentei.
  - Você está reparando demais nela, não? - Disse com um sorriso malicioso nos lábios.
  - Eu nem a conheço.
  Meu celular começa a apitar sem parar. Mamãe mandou sete mensagens.
  "Oii meu amor."
  "Tudo bem?"
  "Não vou poder te buscar esse final de semana."
  "O carro quebrou agora."
  "Se quiser ir pra casa de alguém pode ir."
  "Se for me avisa, tá?"
  "Te amo."
  - O que é? -perguntou Agatha com o sorriso malicioso novamente.
  - Minha mãe, não vem me buscar hoje, o carro quebrou.
  Ela me lançou um olhar preocupado.
  - E você vai ficar sozinha o final de semana inteiro?
  - Sem problemas com isso - comecei a tirar minhas roupas da mochila.
  - Vamos pra minha casa - disse pegando minha mão -, por favor!
  - Hoje não, eu preciso colocar minhas leituras em dia.
  Ela revirou os olhos e continuou a arrumar a mochila.
  Tomei banho, lavei o cabelo, li cinco capítulos de "A Rainha Vermelha" e então um sinal tocou, indicando que os portões estavam abertos.
  - Tem certeza de que vai ficar bem? - Agatha perguntou abrindo a porta para sair.
  - Eu não vou morrer, ok? - falei rindo.
  Ela murmurou um "Tchau" e se foi.

Notas:
  Mais uma personagem entrou, a Lana, eu não tenho muito o que falar dela não KKKKK, ela é imprevisível e quieta, além de ser uma menina simples e genuína.
  Esse capítulo ficou um pouquinho maior porque o diálogo da Lana e da Lav ficou bem extenso, eu não quis resumir muito porque acho que foi um diálogo importante sobre sair do armário, embora não tenha sido tão "cheio".
  Acho que a frase do começo tem muita relação com o capítulo, está tudo bem não ser como os outros ou como os outros querem que você seja.
  É isso por hoje💖!

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