A semana ia se passando e tudo corria como de costume, única coisa que ainda achava estranho era que meus pais não estavam mais tomando café da manhã comigo, porque ainda não tinham resolvido o problema da locomoção da mamãe até o trabalho. Mamãe tinha tirado a habilitação fazia uns anos, mas era muito raro vê-la dirigir, e também tinha o fato de só termos um carro, então ou era ela ou o papai que usava. Já era sexta-feira, e eu esperava dessa vez ter uma um final de semana mais "normal" por assim dizer.
Chegando na entrada da escola percebi que havia algo de diferente, haviam colocado inúmeros papéis colados no mural na entrada da escola, me aproximo. Estava falando sobre os jogos regionais inter escolar, me lembrei do Ravi, com certeza ele devia estar animado para o começo da competição. Nossa escola faria a primeira partida hoje, aqui mesmo. Era o primeiro jogo dos "playoffs", confesso que não fazia ideia do que era isso.
Cheguei na sala de aula cedo como de costume e para a minha surpresa o Ravi já estava lá, era cedo pra ter alguém lá, principalmente ele que sempre se atrasava. Ele estava de olhos fechados com fones de ouvido, devia estar concentrado ouvindo alguma coisa, segui normalmente até a minha carteira e ele ficou imóvel, talvez nem tenha percebido eu chegando. Sentei-me na minha mesa e fiquei olhando suas costas, ele tinha tudo pra ser uma pessoa extremamente popular cheio de amigos e garotas mas, era visível que ele não queria isso, ele não queria ter amigos. Por quê? De repente um garoto apareceu e ficou parado na porta, ele era alto e não me era estranho, era moreno e tinha um corpo robusto, nem parecia ser um estudante, seu cabelo era baixo nas laterais quase raspado e um pouco volumoso em cima, parecia que foi cortado no final de semana, principalmente por que os cortes masculinos não duram quase nada em questão de definição, o que devia ser horrível pra eles. Ele era aquele tipo de pessoa que você só conhece por rosto, mas nunca falou na vida. Ele ficou encarando o Ravi por alguns segundos, sua expressão era muito séria, então ele começou a se dirigir até ele e parou do seu lado, ele levantou seu braço e avançou para dar um tapa na cabeça dele, me assustei e fechei os olhos e só escutei um barulho como o de um tapa ou de palmas, o que fez parecer que não tinha sido na cabeça, mas no rosto. Abri meus olhos e não pude acreditar, o barulho não foi de cabeça nem muito menos de rosto, e sim de mão. Ravi estava segurando a mão do outro garoto, num ato de puro reflexo, talvez ele tenha percebido até mesmo eu chegando, só não fez questão. O garoto resmunga:
- pelo menos os reflexos estão em dia. Quero ver se vai pegar a bola desse jeito hoje
- sempre estiveram - Ravi tira os fones de ouvido
- hoje começam os playoffs, espero que não nos decepcione - o garoto resmunga
- é triste perceber que essa escola depende tanto de mim assim pra ter um desempenho aceitável no basquete - Ravi retruca
- você é bom Ravi, voce é excelente, só precisa esquecer o que aconte... - Ravi o interrompe:
- eu estarei lá Maicon, eu irei jogar e nós iremos vencer, tudo bem? Esse é meu ultimo ano, eu não vou desperdiçar ele, nós iremos vencer esse campeonato
- por ele irmão - Maicon estendende a mão
Ravi não diz nada nem devolve o aperto de mão, o garoto então me encara por alguns segundos e diz:
- Vai nos assistir hoje? - seu tom de voz agora era doce e agradável, seu sorriso era gigante e brilhante, seus olhos até fechavam quando ele sorria
- não sei, talvez. Não entendo muito de basquete
- não tem problema, esperamos você lá- ele fez um joia com a mão, eu apenas sorri
Fiquei pensando sobre o que o Ravi disse sobre ser seu último ano, talvez seja porque depois que ele fizesse 18 ele não poderia mais jogar pelo campeonato escolar, talvez aquele garoto seja um antigo colega de turma, por aparentar ter a mesma idade dele. "Por ele", por ele quem eles estavam falando? Não fazia ideia. Aos poucos os alunos iam chegando, o barulho aumentava e o Ravi continuava com seus fones, como se fosse um ritual antes da primeira partida dos playoffs. As aulas começam, mas um clima diferente estava naquela escola hoje, um clima quente, festivo.
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As três faces do invisível
Misterio / SuspensoO que somos realmente, o que somos quando ninguém nos vê? O que queremos fazer ou o que já fizemos? Ana Julia irá descobrir que pessoas que ela pensava conhecer na verdade são mais complexas do que ela imaginava. Uma garota que por muito tempo se ac...