Capítulo I - Per aspera

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Dor. A primeira sensação é a dor. Logo após tem a agonia e o desespero, com uma náusea tão potente que nenhuma pessoa se manteria em pé, o medo de que os batimentos cardíacos acelerados signifiquem uma parada total, a incapacidade de respirar. Não apenas sentia o rosto inchar como se fosse explodir, mas sentia que seu cérebro fosse ter o mesmo destino.

Se pudesse falar, gritaria, se pudesse ao menos sentir que qualquer coisa passaria por sua garganta, vomitaria. Para seu próprio desespero, mal conseguia abrir os olhos, não tinha forças para tal, e o pouco que conseguia abrir revelava mais um motivo para temer: não via nada além do breu total onde quer que ele estava. E durante aqueles breves minutos — que sentia ter sido no mínimo sua vida inteira — o mesmo notara que nem ao menos sabia o porquê de seu sofrimento, afinal, não tinha memórias.

Na possibilidade de outra pessoa estar naquela sala, ela apenas ouviria sons grotescos de uma pessoa engasgando com seu próprio sangue e saliva. Ruídos excruciantes que representavam pedidos de ajuda. De volta recebia a mais penosa resposta: os sussurros do silêncio, que eram interrompidos pelo garoto que já havia começado a chorar. Durante a cacofonia de pensamentos que percorriam sua mente, alguns se destacavam: "Onde eu estou?", "Por que isso tá acontecendo?", "Eu vou morrer." e o mais importante — "Quem eu sou?".

Lenta, mas constante, as sensações físicas passavam, deixando espaço apenas para as angústias psicológicas, e elas machucavam tanto quanto as outras. Levantando do que parecia uma grande cadeira curvada, o garoto tateou os arredores até se esbarrar com a parede mais próxima, uma feita de concreto. Abraçando a mesma enquanto buscava uma saída, ele ouve o primeiro som que não vinha dele mesmo.

Isso! Funcionou! — uma voz familiar comemorava alegre. — Agora ative o acesso e o resto resolvemos depois.

Assustado, o garoto recua quando a luz da sala se liga ao mesmo tempo que a voz começa a falar, dando visão de uma sala em formato cúbico com uma única cadeira extensa no centro. Nela se conectam vários fios que saiam de um buraco perfeitamente circular no teto, claramente proposital no design. Com a energia ativa novamente, os fios pulsam em uma coloração azul e em uma frequência irregular, como se estivessem transferindo algo até a cadeira.

Na parede ao lado do garoto estava uma grande superfície refletiva, que replicava não apenas a sala, mas o reflexo do próprio menino. Ele se aproxima confuso do espelho, notando todas as características do seu corpo como se fossem estranhas: seu cabelo castanho levemente encaracolado estava com o maior de seus cachos na mesma altura que seu nariz, alguns fios de cabelo em sua bochecha e seu queixo expressavam uma tentativa falha do crescimento de uma barba, sua pele morena clara estava pálida e seus olhos verdes expressavam uma notável falta de vida.

Estendendo sua mão até o próprio reflexo e tocando, o mesmo nota que o contato deixa uma mancha de sangue. Virando a sua palma para que possa ver, percebe um pequeno furo na ponta de cada um de seus dedos, não o suficiente para realmente machucar, mas mais do que bastante para sentir o incômodo.

Peter? O acesso, agora. — a voz soa um pouco mais impaciente, e o garoto olha para todos os lados buscando saber de onde ela veio.

— Quem é você? Onde eu tô? — ele pergunta ainda virando a sua cabeça, esperando que ela fale com ele mais uma vez.

Ah... eu não acredito...

Confuso, ele nota que ela não vem de direção alguma, e parece estar vindo de sua própria cabeça. Incapaz de entender a situação em que se encontrava em com nenhuma pergunta respondida, ele pressiona a cabeça com as mãos em uma tentativa de suprimir as dores que sentia na mesma.

Você não se lembra de nada?

— Não, nada, onde você tá?

Na sua cabeça, e não, eu não leio seus pensamentos, não vou ter essa conversa duas vezes. — a voz finalmente entrega a ele uma resposta, porém essa apenas leva para mais dúvidas, como "Por que tem uma voz na minha cabeça que não é a minha?". — Meu nome é Vega, o seu é Peter. Prazer em te reconhecer.

EX//MACHINA: ExórdioOnde histórias criam vida. Descubra agora