Capítulo 1

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    E pela terceira vez seguida naquela manhã eu ouvia os gritos da minha tia Marrie do andar de baixo me apressando pra que eu descesse, eu sou contra essa viagem desde que ela teve essa ideia. Eu não queria sair da cidade, eu amava essas viagens quando as fazia com os meus pais, mas mesmo que a minha tia tentasse manter a memória deles viva com as viagens, comidas, músicas e tantas outras coisas que ela fazia pra isso... Eu sabia que não adiantaria muito tentar, afinal, como todos diziam eu mesma era uma memória viva deles.  


     Os cabelos da minha mãe ondulados  em castanho escuro, que eu não me segurei em cortá-los mais acima dos ombros, os olhos em um tom caramelo do meu pai, a boca no mesmo formato da de minha mãe, diziam que a minha voz era um misto dos dois... A minha personalidade, forte como a do meu pai, e o cuidado da minha mãe com as palavras. 


     Eu nunca me esqueceria deles, são os meus pais e até poucos meses atrás ainda estavam tentando me convencer de que era uma boa ideia passarmos as férias na casa da floresta da família, exatamente para onde a tia Marrie estava tentando me arrastar agora. Desisti de resistir, peguei as malas e saí do quarto indo para o andar inferior da casa. 

(Tia Marrie): Finalmente, achei que teria que buscar você.

—Temos mesmo que ir?

(Tia Marrie): Por que não quer ir meu amor? Sei que um tempo na casa de campo vai te ajudar a melhorar. Não adianta dizer que está bem, eu consigo ver o brilho que apagou em seus olhos. 

    Eu não sabia o que dizer, não importava o que eu dissesse não teria argumentos para rebater dizendo que estava bem e que tudo ficaria bem logo, pois nem mesmo eu conseguia acreditar nisso. Abaixei a cabeça e ela segurou a minha mão e nós saímos de casa indo pro carro. Seria uma longa viagem.

⋅•⋅⊰∙∘☽༓☾∘∙⊱⋅•⋅

     Sabia que estávamos perto quando ela entrou em uma trilha por dentro da floresta. Eu não me lembrava que aquele lugar era tão escuro, os pinheiros altos eram próximos um dos outros, o que atrapalhava um pouco a visão do que teria à frente. 


        Ela dirigiu por mais alguns minutos, mais ou menos vinte minutos até eu poder ver a casa. Ainda era como eu me lembrava com a madeira escura e janelas em vidro claro, as grandes portas francesas também em madeira escura e a sacada no segundo andar que tinha seu parapeito enfeitado com ramos de flores. 


     Lembro de quando contava os dias para que pudesse vir pra cá, eu conhecia toda essa floresta melhor do que o meu próprio quarto, era estranho ver o quanto eu mudei com os anos, de uma menina apaixonada pelas férias com os pais, pra uma garota destruída que sente falta de algo que não pode voltar. 

     
(Tia Marrie): Vem, vamos entrar. —Diz segurando a minha mão.

      Seguimos até as portas e abrimos as duas, a casa parecia limpa mesmo depois desses anos que passei longe daqui. 

—A senhora limpou antes de virmos?

(Tia Marrie): Não... Acho que pode ser porque a casa foi bem fechada da última vez que vieram. 

     Isso não faria sentido nem mesmo se a casa tivesse sido totalmente vedada por plástico filme. Com certeza eu passaria longas horas tentando entender o que fez com que a casa ficasse assim por tantos meses. Ajudei ela com as malas levando elas pros nossos quartos e as comidas para a geladeira na cozinha. 


       Fui pro meu quarto logo depois, fiquei ainda mais assustada ao ver que a minha estante de livros estava impecável, no mínimo os livros estariam com uma fina camada de poeira por cima e nos lados mas pareciam ter sido limpos nesta manhã mesmo. 


       Tentei ignorar e colocar minhas roupas no closet e colocar meu celular para carregar enquanto tentava descansar. Se eu conhecesse bem a minha tia, ela não me deixaria ficar no quarto durante o tempo que desejasse ficar por aqui, e provavelmente ela inventaria algo como nadar, ou cozinhar cookies ou bolos, ou até mesmo fazer alguma trilha com as motos enquanto arriscamos apostar em alguma corrida improvisada.


       Desde o acidente dos meus pais, ela tentou e por muitas vezes conseguiu me mostrar que a vida não havia acabado. Mesmo sabendo que eu estava desanimada com tudo ao meu redor, ela fazia questão de tentar me animar todos os dias, desde as manhãs, até quando me ajudava a dormir durante várias noites.


       Na maioria das vezes eu acordava com algum pesadelo, e outras eu nem dormia, mas em todas ela estava do meu lado dizendo que a noite já estava acabando e que o dia que viria seria melhor do que aquele. E por várias vezes eu quis acreditar que aquilo seria verdade, mas não parecia que algum dia poderia ser melhor se os meus pais não estivessem ali. 


      Me deitei na cama enquanto meus olhos percorriam o quarto, tantas coisas aconteceram nesse quarto... Tantas histórias antes de dormir, tantas músicas tão lindas, ainda me lembro de quando pintamos as paredes, quase que ainda sinto o cheiro da tinta ainda fresca. Eu não conseguiria dormir. 


      Me levantei da cama e peguei um dos livros da estante, me sentei na poltrona que havia ao lado da cama e comecei a ler, em questão de alguns minutos toda a minha atenção havia sido levada por cada uma das palavras nele. 

(Tia Marrie): Já está com fome meu amor? —Diz encostando na porta.

—Não muita. —Sorri fraco.

(Tia Marrie): O que acha de tentarmos fazer algo para comer? Pode escolher o que quiser.

—Então... Brownies?

(Tia Marrie): Claro. —Sorri abertamente.

     Eu deixei o livro em cima da poltrona marcado na página em que parei de ler e fui com ela para a cozinha começar a preparar os brownies. 

(Tia Marrie): Há algo que queira fazer mais tarde? 

—Ainda não sei. —Dou de ombros.

(Tia Marrie): Aqueles filmes que víamos durante as tardes na primavera, ainda estão guardados na gaveta da estante da sala. O que acha de assisti-los?

—Podemos assistir enquanto comemos. Sorri fechado.

(Tia Marrie): Boa ideia. 

   Continuamos a receita até que as formas estivessem nos fornos, eu ouvia ela cantarolar algumas das canções que sempre soavam por essa casa. Fomos pra sala e escolhemos um dos filmes para começarmos a maratona, por toda a casa o único som que se ouvia era o tic do relógio que colocamos para marcar o tempo dos brownies. 


   Então ligamos a TV e colocamos o filme no aparelho de DVD, logo o mesmo começou e nós nos sentamos no sofá, eu peguei uma das almofadas abraçando ela. 

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    Ouvimos o relógio avisando que estava pronto e pausamos o filme e fomos pra cozinha. 

There's a Voice between UsOnde histórias criam vida. Descubra agora