Capítulo 4

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   A voz da tia Marrie não parava de ecoar na minha mente, eu já não dormia á duas noites seguidas, passava a maior parte conversando com o Yongbok e ainda pensando em algo que pudesse ajudar ele de alguma forma. Pensei que se a minha avó soubesse mesmo sobre a tal luz que estava sobre a nossa família, também haveria algo sobre em alguma das caixas que estavam no porão, então comecei a procurar por qualquer coisa que dissesse ou explicasse melhor isso. Talvez essa fosse a melhor chance que ele pudesse ter. 

(Yongbok): O que estamos procurando exatamente? 

—Ainda não sei exatamente, mas basicamente qualquer coisa que diga algo sobre aquela luz que me disse.

(Yongbok): Ah, sim.

—Você nunca viu guardarem algo aqui? Algo tipo isso? —Digo olhando algumas caixas.

(Yong): Não me lembro muito bem.

—Tudo bem, vamos encontrar. —Suspiro.

(Yong): Você precisa descansar. —Diz parecendo preocupado.

—Eu sei, mas não é como se eu conseguisse.

(Yong): Não te vi tentar. 

—Imagine isso... Você está preso em um supermercado, e precisa esperar que amanheça e o segurança chegue pra poder ir embora. Você dormiria? —Explico.

(Yong): Não.

—Exatamente. Eu não tento dormir, porque eu sei que seria uma perda de tempo tentar, eu sei que mesmo que conseguisse eu acordaria alguns minutos depois por ter algum pesadelo que começasse uma crise. Eu... Eu sei que preciso estar bem se quero te ajudar, mas estar bem... é algo que não sinto há tanto tempo...

(Yong): Sinto muito.

—A culpa não foi sua. 

    Olhando dentro de uma das caixas eu achei um livro com capa dura em preto e dourado, talvez fosse o que eu procurava. Tirei um pouco da camada de poeira que estava sobre ele, mas ainda não conseguia ler o título na capa, seja lá sobre o que fosse, aquele livro era algo muito antigo. Abri o livro analisando suas folhas já amareladas, era aquilo que procurávamos.

—Achei.

   Fomos pra sala e eu ascendi as luzes pra enxergar melhor as letras, me sentei no sofá e peguei uma das almofadas colocando-a sobre o meu colo pra que fosse mais fácil apoiar o livro em cima dela. 

—Pronto?

(Yong): Sim. 

—Ok... 

"Para qualquer um que encontre as minhas escritas."

"Henry S."

"Escrevi este livro para deixar registradas as minhas pesquisas sobre a floresta obscura. Desde que eu me lembre muitos dizem que existem criaturas demoníacas nela, as pessoas estão sumindo com mais constância deixando apenas rastros pela metade não levando á lugar nenhum. Muitos dizem ser obras de bruxas, outros dizem ser castigo dos deuses. Eu não sei no que acreditar, então decidi que estudaria e procuraria por uma resposta real que acabasse com essa aflição."

"Primeiro dia em observação: A floresta é silenciosa, não se ouvem sons de animais nem mesmo de pássaros ou lobos, não há sons de rios nem mesmo do vento passando pelas folhas das árvores, se eu não soubesse ser uma floresta real, juraria que seria apenas um quadro pintado. Isso não é algo possível para a ciência mas posso jurar que não ouço som algum vindo de lá. A luz do sol também não parece iluminar muito por lá, mesmo estando á luz do meio dia, em que o sol está em seu ponto mais alto, tenho certeza de que para alguém que estivesse lá de dentro ainda seria meia noite. A floresta parece presa em um momento sombrio da história"

"Vigésimo quarto dia em observação: Quanto mais perto eu me arrisco chegar, consigo ouvir vozes vindo de lá, mas não consigo entender o que querem me dizer, algumas vezes sinto meu coração disparar e minhas mãos suarem frio ao ouvir alguns gritos. Não é seguro estar aqui, não se arrisque jamais a entrar nesse lugar."

"Sexagésimo segundo dia em observação: Hoje fiz um experimento jogando uma pedra dentro da floresta, eu não esperava que aconteceria algo já que nada nunca parece acontecer lá, mas eu senti algo extremamente ruim se aproximar, senti o ar faltar e um enjoo crescer pelas minhas entranhas. Seja lá o que houver nessa floresta, é mesmo algo demoníaco."

"Nonagésimo oitavo dia em observação: Jamais faça o que estou prestes a fazer, entrar nessa floresta está permanentemente proibido desde que duas crianças sumiram na noite anterior. Eu passei todos esses dias em observação, e mesmo assim, ainda estou aqui, muitos não conseguiram voltar apenas por terem se aproximado e eu preciso comprovar minha teoria. Ainda não sei com o que lidamos lá dentro, ainda não compreendo por quê eu não sofri nada a não ser mal estar."

"Nonagésimo nono dia em observação: Ontem eu entrei na floresta. Ela não parecia ser nada daquilo que vi por fora. Mas ainda assim eu senti algo estranho, algo como um arrepio percorrendo minha espinha. A floresta pareceu... Viva, como nunca a havia visto em todo esse tempo."

(Yong): Ele...

—Era meu tataravô. —Concluo.

"Durante anos desde que comecei as observações, tenho notado que aquela sensação ruim não me persegue mais. Não sinto nenhum mal estar, nem medo. A floresta não parece a mesma e as pessoas não somem mais nela. Algo mudou, mas o que?"

—O livro acaba aqui. Não temos respostas... —Digo decepcionada.

(Yong): Na verdade, agora sabemos como tudo começou.

—Aposto que já sabia disso.

(Yong): Eu o via todos os dias, mas nunca soube o que fazia ali. Parecia loucura se arriscar tanto... Mas nunca fiquei tão surpreso como quando fiquei quando ele entrou aqui. Foi a primeira vez que vi a vida nesse lugar.

—Talvez tenham mais livros.

(Yong): Ei... Não se preocupe tanto com isso. Passei muito tempo assim, eu sei esperar. Tudo bem se não encontramos dessa vez. Já sabemos onde procurar, já é meio caminho andado.

    Eu não sabia como ele conseguia, como podia ser assim... Algumas vezes eu conseguia o ver como duas pessoas totalmente diferentes. Ainda não entendia como, mas ao mesmo tempo que ele me enchia de esperança, conseguia me deixar apavorada. Era como estar sempre com uma pessoa de dupla personalidade, talvez eu já tivesse me acostumado com essa dualidade.

There's a Voice between UsOnde histórias criam vida. Descubra agora