22- Me Escuta, Por Favor!

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Corríamos por entre as árvores da floresta sendo perseguidos por disparos e corpos furiosos tentando nos alcançar a qualquer custo. Sentia os galhos batendo em meu rosto e arranhando minha pele enquanto ele segurava minha mão correndo a frente. Depois de deslizar uma pequena ladeira, esta que levava para perto do riacho que cortava a floresta. Paramos atrás de uma árvore, ele olhou para trás e atirou algumas vezes.

- Você tem que ir agora - Disse parando em frente ao riacho. Olhava pra todos os lados o tempo inteiro procurando por outros que podiam estar a nossa busca.

- O que? - Pedi para que repetisse.

- Você tem que seguir em frente sozinho agora - Disse dando passos pra trás.

- Co-como assim? Não, ainda falta muito, não, por favor - Supliquei subindo até onde ele se encontrava e segurei em seu braço. Metade da minha calça comprida estava molhada.

- Eu não posso seguir daqui, vou ganhar tempo pra você - Explicou puxando outra arma da cintura.

- Eles são muitos, você não vai conseguir, eu não vou conseguir - Puxei sua mão olhando seus olhos, minha expressão chorosa denunciava minha tristeza.

- Eu já te livrei uma vez, posso fazer uma segunda.

- Não se você estiver morto. Me escuta, por favor!

- Não segue o rio, vai pra cima, lá tem algumas pessoas te esperando em um carro, preciso que você confie nelas, elas vão te levar ao seu pai - Envolveu seus braços por mim e me puxou para perto de seu peito me beijando.

- Se cuida - E correu na direção oposta à minha, vi seu corpo sumir do meu campo de vista e ouvi mais disparos, minha consciência me obrigava a correr, mas meu coração me implorava pra ficar, embora escolha não houvesse. Vi dois homens se aproximando e essa foi a deixa. Tive de ir. Enquanto corria por uma subida que parecia eterna, lembrei de tudo, de todos os momentos, de todos os beijos, de todas as carícias, de tudo que ele fez por mim e que provavelmente ele estaria morto quando eu chegasse na estrada.

Um tiro cortou minha linha de lembranças, por sorte, acertando uma árvore por onde eu passava. Avistei a rua logo mais a frente, mas não avistava carro algum. Quase cai na beira do asfalto e logo olhei para todos os lados. Na curva da rua, uma van preta, eu não sabia se devia correr até ela, mas ao sentir algo quente cravando em meu braço, eu corri sentindo a ardência enquanto o sangue escorria.

O disparo também os alertou, porque em seguida a porta da van foi aberta e dois homens apareceram com armas miradas em minha direção. Cobri o rosto e me abaixei, mais disparos. O barulho me confundia, eu me sentia em uma guerra inacabável. Os tiros certeiros mataram os homens que me seguiram até aqui.

- Anda logo! - Um deles gritou. Ainda cambaleando, entrei na van com a respiração lenta e os sentidos falhando, minha visão ficava turva e embaçada. Um deles pegou em meu braço me ajudando a entrar e um gemido de dor escapou por meus lábios.

- Tá tudo bem? - Ouvi uma voz feminina. Incapaz de responder eu fechei os olhos.

(...)

- Tá tudo bem, relaxa. Você desmaiou e isso facilitou para nós, retirar a bala alojada em seu braço, é normal você se sentir um pouco tonto ou cansado - Ouvi uma enfermeira dizer assim que abri os olhos. Um hospital.

- Não se preocupe, senhor Urrea, seu pai já foi avisado. Ele está vindo pra cá - Eu sorri, mas por dentro, eu estava em pedaços, eu nunca mais o veria, nunca saberia se ele estava bem ou não e isso me deixava pior

Quando meu pai chegou, recebi abraços demorados, perguntas incessantes, broncas, pedido de desculpas e mais abraços. Eu estava feliz por revê-lo, só não conseguia demonstrar.

Meu pai me fez companhia até a tarde, quando recebi alta do hospital. Quando passamos pela porta, quase fiquei cego, flashes de todos os lados, perguntas, movimentação de pessoas utilizando crachás e com câmeras. Mais que imediato, meu pai me cobriu e me ajudou a atravessar a selva de pessoas até chegar no carro que nos esperava. Os flashes não paravam nunca e mesmo depois de virar a esquina ainda podia ouvi-los. O som dos disparos, os gritos, tudo.

Passei meses pra me recuperar totalmente, sempre chorando as noites, deixando de sair com os amigos, deixando de ir pra escola nas primeiras semanas e quando voltei, não se falava em nada ao meu redor senão no meu sequestro, no tempo que passei desaparecido, achava sufocante.

Fui interrogado pela polícia também, uma semana depois do meu retorno eu ouvia perguntas de como eles eram, descrevi os que consegui, menos ele, eu deveria, mas não conseguiria.

No momento, estava sentado na minha cama, em meu quarto. Olhando a chuva pela janela.

- Filho? - Meu pai adentrou meu quarto me arrancando dos meus pensamentos. Ele havia dispensado os empregados para ficarmos somente nós dois no fim de semana.

- Oi? - Respondi.

- Precisamos conversar...

- Precisamos - Repeti me virando pra ele, ele que veio até minha cama e se sentou do meu lado. Nossos olhares ficaram ligados por alguns minutos, antes dele prosseguir.

- Eu comprei algumas coisas novas pra você, pra ver se isso te deixa melhor.

- Obrigado, pai - Voltei a admirar a chuva através da janela.

Ele iria dizer mais alguma coisa quando o som da campainha ecoou pela casa até meu quarto. Se levantou, parou na porta entreaberta e me lançou um último olhar antes de descer, continuei sentado. Eu sabia que receberia seu total apoio até quando precisasse, mas não estava pronto para voltar a agir como antes, e era isso que ele vinha me pedir. Algo que eu não podia prometer, por enquanto.

- É pra você, filho - Disse mais uma vez na porta do meu quarto. Franzi o cenho, formando frases na minha cabeça para me desfazer das visitas que sempre passavam pra me perguntar se eu estava bem, era cansativo. Me levantei devagar e andei calmamente até chegar na sala. Quando cheguei no pé da escada, um cheiro familiar me invadiu, enchi meus pulmões dele e não queria mais soltar, meu coração acelerava a cada passo dado em direção a porta.

Quando enfim cheguei, uma figura com capa de chuva, coberto de gotas d'água estava de costas. Reconheci os sapatos, reconheci a calça. A essa altura eu quase tinha uma taquicardia.

Então ele se virou, e eu o vi, com alguns arranhões, algumas marcas e cicatrizes. Meus olhos percorreram por todo o seu corpo e um sorriso aconchegante surgiu em seus lábios, logo, despertando o sorriso em mim.

- Oi...

Fim

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⏰ Última atualização: May 12 ⏰

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