2. Coração na torre

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Enquanto aguardava ansiosamente pelo fim da cerimônia, Regina não sabia o que era mais difícil de conter: as lágrimas ou a repulsa. Seu primeiro casamento havia sido tão lindo! Perfeito como as cenas esculpidas nos sonhos de toda donzela, e com o homem a quem ela amava! Agora, de braços dados com um soldado rude e de sorriso cínico, cortado por uma profunda cicatriz de guerra, ela sentia-se praticamente violada. A decoração devia estar belíssima, mas a imperatriz mal podia prestar atenção, concentrando-se em cumprir o seu papel, até o momento em que, por fim, um novo imperador foi coroado.

- Eu gostaria de um momento para fazer um anúncio importante - Regina se apressou em dizer, antes que a cerimônia se desse por encerrada.

O salão se calou. Por um momento todos os presentes ficaram surpresos e confusos com a ruptura do protocolo real.

- Já que vocês fazem tanta questão da existência de um imperador - ela lançou um olhar desdenhoso na direção do bispo que havia acabado de coroar seu novo marido -, espero que tenham gostado de Graham, porque será ele quem os governará... sem a minha ajuda.

Regina percebeu que todos os convidados a encaravam com olhares confusos e não demorou até que tivesse início uma onda de sussurros descrentes e, até mesmo, decepcionados. Entretanto, antes que começassem a fazer-lhes perguntas insistentes, ela deu o golpe final:

- Meu último decreto, na qualidade de vossa imperatriz, é que passarei a viver reclusa na torre que mandei construir ao sul do palácio após a partida daquele que um dia foi seu imperador. Esse decreto terá efeito imediato e durará para sempre!

Sob olhares atentos e exclamações de surpresa e incredulidade, ela tirou a coroa ornamentada da cabeça e a depositou cuidadosamente sobre o assento do seu trono.

- Você não vai fazer isso! - grunhiu Graham, o novo imperador, chegando perto o suficiente para que só ouvisse de seu ouvido, segurando seu braço com força para tentar mantê-la ali. - Não agora que acabamos de nos casar. Eu lutei muito por você.

- Não. Você lutou pelos meus dotes e pelo poder que poderia adquirir ao se tornar meu marido. Acabei de cumprir minha parte no acordo - ela libertou-se daquele aperto com um movimento brusco, e olhou para ele com amargura -, você é o novo imperador. Tem toda liberdade para usufruir daquilo pelo que lutou, então, apenas cuide do império e me deixe em paz!

Sem esperar por mais protestos daqueles que sempre se ocuparam de decidir sua vida sem perguntar sua opinião, Regina caminhou por entre a multidão, em direção à saída do grande salão, e deixou o castelo. Fez todo o trajeto de cabeça erguida, incapaz de sentir uma gota de arrependimento sequer, apesar das lágrimas que molhavam seu rosto quando montou seu cavalo e avançou pelos poucos quilômetros que a separavam da torre. Seu novo lar.

Desmontou do animal e acariciou seu pelo macio, vendo aqueles olhos dóceis observarem a torre com desconfiança.

- Você também é livre agora, Chuvisco. Pode ir embora.

Beijou a testa do cavalo e o libertou, marchando, com segurança, em direção à torre. Ao alcançar a entrada, lançou um último olhar por sobre o ombro, apenas para confirmar sua suspeita de que seu fiel companheiro não a deixaria tão facilmente como Daniel havia feito. Começou a subir a escadaria externa, respirando fundo antes de encarar o longo trajeto até seu quarto no último andar da torre. Enquanto avançava pela escadaria em espiral, Regina procurou em suas vestes de casamento o apito de espinheira que havia guardado para aquela ocasião. Se as lendas fossem verdadeiras, ele iria funcionar e, logo, ela não estaria mais sozinha. Nunca mais.

Quando encontrou, levou o apito aos lábios e soprou, procurando fôlego enquanto subia um degrau após o outro. No primeiro momento, não ouviu nada além do som alto e desafinado do apito da espinheira. Porém, alguns instantes depois, tão subitamente que quase pensou que seus olhos a enganavam, Regina viu um enorme animal acobreado surgir das profundezas da floresta, marchando com suas pernas curtas em sua direção. A luz já era pouca ao anoitecer, mas a imperatriz renunciada via os olhos de safira do dragão brilharem com iluminação própria, as escamas cintilando em diferentes pontos conforme ele se movimentava, enroscando-se à torre como se soubesse que aquela seria sua nova morada.

Antes de entrar no único quarto da torre e fechar-se para sempre, Regina ainda pôde ouvir o animal bufando do lado de fora, espantando os primeiros soldados que tentavam se aproximar para perturbar a paz que mal acabava de conquistar. Demoraria algum tempo até que as tentativas cessassem, mas a espera traria suas recompensas. Em poucos anos, Regina estaria exilada, sozinha e quase totalmente esquecida, tal como planejava. Sabia que ainda era jovem demais para viver assim até o final da vida, mas considerava esse um destino bem menos cruel do que ser obrigada a vender o próprio coração.

"Ela trancou seu coração na torre
de um castelo empoeirado e só
Julgava nunca mais abri-lo,
provocava a lei do imperador
A nuvem que levou seus sonhos
era labareda de um dragão
Que agora guarda a torre,
vigia o seu sono
E não deixa um novo amor chegar
Para a imperatriz não libertar"

A Imperatriz e a Princesa | SwanqueenOnde histórias criam vida. Descubra agora