Capítulo 2

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Estava sentado em um tronco de árvore cortado observando as estrelas. A maioria das pessoas já tinha se recolhido para estarem descansadas para a batalha, mas alguns, imagino que estivessem como eu: tensos demais para conseguir fechar os olhos.

Kabir se aproximou de mim silenciosamente e deitou ao meu lado, ele era um lobo completamente branco de dois metros de altura com olhos âmbares , mas se comportava, na maior parte do tempo, como um cão domesticado. Acariciei sua cabeça enquanto aguardava Kali que, certamente, chegaria.

— Você está bem? — ela perguntou sentando-se ao meu lado, me empurrando um pouco para ter mais espaço.

— Sim. — respondi sem emoção, o que me rendeu um olhar cético dela — Não — Suspirei e fechei os olhos tentando organizar meus pensamentos — Estou preocupado — Admiti e ouvi ela respirar fundo.

— Sei que está, mas vai ficar tudo bem — diante do meu silêncio ela continuou — Você ainda se culpa pela morte dela, mas... Jahnu — Kali me fez olhá-la — Não foi sua culpa. Além disso, dessa vez estamos preparados para qualquer emboscada ou armadilha.

Deixei meus ombros caírem. Estava cansado e me sentia desesperançoso. Não só com a próxima batalha, mas com relação a toda a situação. Queria uma casa, poder construir uma família. Não ter que me preocupar a cada momento, pensando que ela poderia ser atacada ou morta.

— Lomri? — Kali me chamou, com uma voz manhosa, pelo apelido que minha mãe me dera. Significava 'raposa' numa língua Odiyan antiga. Curiosamente, isso foi antes de eu ter minha ligação Fyldja com Sitara. Talvez fosse pela cor de meus cabelos. Fios cobres longos, como os dela. Na verdade, havia herdado a maioria dos traços dela. A estatura mediana, o físico magro. Não pude evitar sorrir.

— Sim, Heera? — Ela revirou os olhos para o apelido dado a ela por meu pai. Ele dizia que Kali era uma sobrevivente e que aquele mundo tentou esmagá-la, mas isso somente a fortaleceu, transformando-a em um diamante. Uma aparência dura, mas belo e valioso. 'Heera' era nosso 'Diamante'.

— Sabe, Surya dizia que poderíamos acabar com essa guerra — ela sorriu levemente. Lembrava de minha mãe dizendo que os Bokores haviam começado aquela guerra, em busca de poder, mas que os Odiyans a terminariam e que, se tivesse que apostar em alguém, seríamos nós dois. Ela sempre terminava dizendo sorrindo com seus olhos verdes.

— Sinto falta dela — admiti com a voz embargada.

— Eu também — Kali baixou o olhar pensativa — Queria que tivéssemos nos dado melhor. Que eu tivesse aprendido mais com ela, como você — passei o braço ao redor dela.

— Kali, sabe que, apesar de todas as suas diferenças, ela te amava. Amava muito.

— Sei disso, mas brigávamos o tempo todo — ela finalizou com um biquinho. Soltei uma gargalhada e ela me olhou sem entender.

— Você briga com todo mundo, Heera — esclareci ainda rindo.

— Cala a boca — ela me empurrou, mas também riu — Seu idiota — se aproximou e me beijou, apenas um selar rápido — Vamos para a tenda, temos que descansar.

— Não acredito que vá conseguir dormir.

Kali então me lançou um olhar malicioso.

— Então vamos mesmo para a tenda — ergui uma sobrancelha com um questionamento — O quê? Não quer sua recompensa por uma espionagem bem-sucedida? Você trouxe informações até que boas — ela sorriu de lado e saiu correndo na frente.

Estava com Kali deitada sobre meu peito, pensando no dia em que ela fora deixada em nosso acampamento. Tinha apenas dez anos, na época. Mesmo assim, sacou uma faca que carregava na cintura e ameaçou "qualquer um que tentasse algo contra ela". Sorri com a lembrança. Nada me faria duvidar de que ela teria, de fato, esfaqueado qualquer um que tentasse.


Arrumei levemente seus cabelos e acariciei suas costas nuas, observei seu rosto sereno pensando na última conversa com meu pai, depois que Kali havia deixado a tenda. Ele me pediu para cuidar dela e eu quase ri, ela foi criada e treinada para ser mortal e, mesmo assim, me vi prometendo que cuidaria dela. Mesmo assim, daria minha vida para protegê-la.

▪▪▪▪▪

O combate saiu bem, conforme o planejado, exceto quando tudo deu terrivelmente errado e nossas vidas se tornaram um caos.

Nos dividimos em três grupos comandados por: meu pai, que liderava o ataque frontal, por mim e por Kali, que iríamos flanquear o inimigo. Ravi ficou sob minhas ordens, felizmente estava mais conformado com a decisão tomada e concordou em fazer tudo de acordo.

Nosso ataque foi um sucesso, rapidamente cercamos os inimigos. Alguns arqueiros mais habilidosos ficaram para trás, levando um inimigo a cada flechada certeira. Os demais seguiam combatendo corpo a corpo em ataques extremamente coordenados. Fomos criados batalhando juntos, então conhecíamos tão bem as habilidades um dos outros que parecíamos nos mover como um. O que tornou totalmente compreensível a atitude de alguns Gnosis mais espertos em fugirem da batalha, contudo, foi esse o início do fim.

Ao ver os Gnosis fugindo, contra as minhas ordens, Ravi foi atrás de alguns, matou dois, mas o terceiro acabou pegando-o desprevenido, o desarmou e o Terceiro Líder caiu no chão à mercê do elementalista.

Corri para poder ajudá-lo. Kali, do outro lado do campo de batalha, também correu em direção a ele, mas ambos fomos lentos demais.

O Gnosi, com um movimento de mãos, desferiu um golpe clássico de sua raça, uma simples lâmina feita de água. Observei a cena em câmera lenta. No mesmo momento em que a lâmina descia sobre Ravi, meu pai se colocou no caminho, levando o golpe em seu lugar. Um corte extenso se abriu no peito de Indra, que caiu sobre Ravi.

Um borrão branco atingiu o Gnosi, que não teve nem tempo de gritar quando os dentes de Kabir fecharam-se em sua garganta.

Puxei Indra de cima de Ravi, que estava em choque, sua expressão indo de horror à culpa. Meu coração martelava em meu peito. Examinei o corte. Ele ia de um extremo ao outro do tórax de meu pai, um corte limpo, mas profundo. O sangue jorrava da ferida. Tentei pressionar o ferimento, mas a cada tentativa parecia que o corte abria mais, minhas mãos trêmulas não ajudavam no processo.

— Não! Não! — ouvi Kali gritando quando se jogou de joelhos, tentando me ajudar a pressionar o ferimento — O que você fez? — ela berrou para Ravi, que ainda estava sem reação. Kali começou a murmurar "não, não, não", sem parar, em meio às lágrimas — Jahnu, faça alguma coisa — Ela me implorou, em desespero. E eu preferiria morrer a ter que passar por aquilo novamente, mas precisei negar com a cabeça e retirar toda sua esperança. Não conseguiríamos salvá-lo. Concluir aquilo me fez sentir como se um corte estivesse se abrindo em meu peito. — Não! — ela me empurrou — Ele não vai morrer. Ele também não. Indra, está me ouvindo? — Kali pegou o rosto dele entre as mãos — Fique acordado. N-não ouse fechar os olhos... Indra... Por favor...

— Surya... estou... aqui. — Foram as últimas palavras de meu pai em meio a um sorriso, antes de seus olhos perderem o brilho.

Senti como se meu coração estivesse sendo esmagado, tudo o que mais queria era poder fazer algo, não pela minha dor, mas pela dela. Era tudo culpa minha. De novo. Ela nunca iria me perdoar por aquilo. Eu nunca me perdoaria. Só conseguia enxergar a morte da minha mãe sobreposta a essa. E pensar nas suas últimas palavras "não chore, Lomri, vamos nos reunir novamente em No'ah". Sentia tudo e nada ao mesmo tempo. Aquilo não podia ser real.

Em meio a minha dor, mal reparei no brilho sanguinário nos olhos de Kali, quando ela se virou aos poucos inimigos ainda presentes e lançou uma rajada de chamas que pareciam líquidas sobre eles, incinerando a maioria. Alguns poucos ainda conseguiram escapar, mas todos estávamos ocupados demais olhando embasbacados para Kali, que desmaiou logo após lançar o feitiço. Um feitiço de fogo. Um feitiço Gnosi. Mas que merda estava acontecendo?


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