Capítulo 1

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    O som do celular de Ísis ecoa pelo corredor da biblioteca e ela quase derruba os livros e o caderno que tem em mãos na pressa de desligá-lo, assustada com o barulho do despertador soando ainda mais alto no silêncio da biblioteca.

O alerta era para lembrá-la de uma palestra que começaria em breve e ela queria muito assistir. Como previsto, ela se esquecera completamente. Precisa ser rápida se quiser chegar a tempo. Pega uma das pilhas de livros que tinha escorado na estante e sai apressada em direção à recepção.

Um rapaz se aproxima da prateleira que Ísis acabara de abandonar, lendo as lombadas dos livros e então nota um intruso caído entre eles. Olha ao redor para tentar encontrar a pessoa que estava ali antes e supõe que ela já deve ter descido. Ele corre atrás dela para devolver o caderno que encontrou, mas a perde no saguão da biblioteca. Para na recepção e pergunta:

— Vocês viram uma garota mais ou menos dessa altura ­— ele aponta seus ombros — e cabelo castanho comprido? Ela estava de vestido e jaqueta, provavelmente com alguns livros na mão...

O bibliotecário franze a testa e responde, dando de ombros:

— Sim. Várias.

O rapaz olha ao redor mais uma vez, pensando no que fazer, e então se lembra de espiar dentro do caderno. Felizmente, tem informações de contato, e ele pondera que é melhor devolvê-lo em mãos do que deixar nos achados e perdidos. Mas ainda tem muita coisa a fazer e a biblioteca deve fechar logo, por isso, coloca o caderno junto com as suas coisas no guarda-volumes, e sobe as escadas novamente, com sua lista de livros em mãos.

Ísis chega a tempo para a palestra, mas a exposição é decepcionante. Duas horas perdidas ouvindo argumentos frágeis e, em certa medida, eticamente questionáveis. Pelo menos, as perguntas da plateia foram sua revanche e tocaram em todos os pontos que ela gostaria de questionar, se tivesse paciência para elaborar uma crítica educada em casos assim.

Procura seu caderno na bolsa para anotar uma citação interessante do debate, e não o encontra. Sente o corpo gelar e tudo ao seu redor ficar mudo. Todas as anotações mais importantes da sua pesquisa estão naquele caderno. Deveriam estar em alguma nuvem, também, mas ela prefere escrever à mão e sempre se esquece de atualizar os arquivos no notebook. Ela revira a bolsa mais uma vez e então se lembra: só pode estar na biblioteca. Mas ela já está fechada. Terá que esperar até o dia seguinte para saber se alguém o encontrou.

Vai embora para casa chutando pedrinhas no caminho e sabe que a situação parece ridícula. Afinal, ela está em Londres. Fazendo a tão sonhada pesquisa de pós-doutorado em nenhum outro lugar senão Londres. Mas a empolgação inicial, que era enorme, foi minguando no decorrer dessas primeiras semanas. Primeiro, foi a viagem horrorosa – mas ela nunca tem sorte em viagens mesmo e isso a fez relevar. Depois, foram os problemas com o alojamento. Por fim, a mudança repentina de orientadora.

Nem mesmo a chuva, a famosa chuva londrina, apareceu, a despeito das expectativas de Ísis. Que não tivesse chovido um único dia desde que ela chegou em Londres não podia ser outra coisa além de um mau sinal. É uma coisa boba, ela pensa abrindo a porta do apartamento. Mas são várias coisas, algumas bobas, outras sérias, reunidas.

Ela tira o celular da bolsa e vê que tem uma mensagem de número desconhecido. "Olá, encontrei seu caderno de anotações na biblioteca. Parecia importante, então não coloquei nos achados e perdidos, trouxe comigo." Ísis respira aliviada e digita rapidamente: "Graças a Deus! Como faço para pegá-lo de volta?" "Podemos nos encontrar na cafeteria em frente à biblioteca, amanhã, às 8h?" "Sim, como te encontro?" "Vou deixar seu caderno em cima da mesa." "Combinado, obrigada". Ísis solta o celular em cima da cama como se soltasse um peso. Felizmente, pode relaxar essa noite.

21h30 em ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora