Diferente do que estava acostumada, Lila foi dormir decidida a caminhar bem cedo, na manhã seguinte. Pôs seu relógio pra despertar às 4h50 da manhã para que pudesse aproveitar bem o nascer do dia.
Aquele horário o sol estaria nascendo, já estaria claro, porém não totalmente, de modo que ainda seria possível caminhar e ver o sol terminar de nascer.
Teve uma noite de sono nada confortável, com a chuva que caía lá fora ela acordou várias vezes na noite com seu cachorro chorando ao seu lado na cama.
"Calma, Bidu, não vai te acontecer nada..."
Lila sussurrou essa frase umas três vezes no meio da noite para Bidu na esperança de que seu efeito fosse de acalma-lo.
Parece que não ajudou muito.Lila acordou com dores nas costas, já havia um tempo que vinha dizendo a si mesma que deveria comprar um colchão novo, pois aquele a estava destruindo, mas sempre esquecia. Então, naquela manhã, ela resolveu anotar em um post it colorido e colar na porta do micro ondas, seu amigo inseparável.
A manhã estava bem gelada, por conta da chuva e vento frio da noite anterior, mas, como já estava decidida, caminharia sim naquela manhã. Nem que precisasse se vestir com 3 casacos, dois cachecóis, duas calças e 4 meias...
Preferiu não tomar café da manhã em casa, às 6h passaria na cafeteria da cidade e tomaria seu café por lá. Como fazia em todas as manhãs que trabalhava.
Lila abriu as janelas da sala e o vento frio da manhã a evolveu fazendo-a arrepiar e tremer.
"Vish, logo hoje, em!?"
Lila reclamou enquanto fechava de novo as janelas. Bidu, que dormia mansamente ao pé do sofá, levantou as orelhas em sinal de alerta ao acordar assustado com o ranger das janelas se fechando.
"Ah pronto, mais um item pra lista de reformas"
Lila anotou em seu post it colorido: "Consertar janelas"
Destacou e colou no micro ondas ao lado do antigo lembrete.Aquela altura ela já se questionava se queria realmente sair pra caminhar com a manhã gelada do jeito que estava. Mas repreendeu seu questionamento e resolveu se vestir antes que desistisse.
Colocou seu casaco cinza, que já era inseparável, até por ser o único casaco que realmente a aquecia. Desde que se mudou, a 5 meses atrás, Lila não havia comprado roupas novas, mesmo tendo se mudado em temporada de frio, ainda continuava com seus fracos casaquinhos de noite fria de início de janeiro.
Pensou em anotar "comprar casacos novos" em outro post it, mas teve preguiça e desistiu.
Vestida adequadamente, Lila pegou suas chaves em cima do porta-Chaves improvisado por uma tampa de vasilha, vestiu sua touca e se despediu de Bidu com um "Até logo, não faça nada que eu não faria" e um carinho na barriga.
Ao sair porta a fora o frio era ameno, ja não estava tão gelado como quando abriu as janelas, o que a deixou muito feliz e aliviada.
Lila caminhou devagar nos primeiros minutos, com seu medidor de passos e calorias do celular ela foi monitorando e aumentando gradativamente seu avanço em quantidade de passos.
Meia hora de caminha ininterrupta e Lila já estava tirando o casaco, o dia já estava bem claro, pela chuva ter fechado o céu, acompanhar o nascer do sol foi um plano frustrado. Mas embora não pudesse vê-lo manhã cinza, ela o pôde sentir. Bem singelo, trazendo um clima confortável em meio ao dia nublado. Nem frio, nem quente, a estabilidade.
Faltavam apenas três lojas de distância até que chegasse na cafeteria, Lila resolveu diminuir os passos e ir acalmando a respiração.
Ao chegar na cafeteria, o movimento estava mais baixo do que nos dias anteriores. Realmente o feriado afastava clientes àquelas horas da manhã.
Lila sentou em um banco alto no balcão e cumprimentou Mariana, a nova auxiliar. Ela era bem bonita, aparentava uns 20 anos no mínimo e era uma moça simpática. Estava ali há uma semana apenas, mas já trazia um ânimo diferente ao lugar que antes, com o antipático do Pedro, não se via.
Pediu o de sempre e Marina a serviu minutos depois com uma piadinha sobre acordar cedo em pleno feriado.
Lila se sentiu orgulhosa de si mesma, por depois de 6 meses, finalmente sair de casa pra caminhar de manhã.O estabelecimento não estava movimentado, mas também não estava vazio. Havia numa mesa em frente a maior janela da cafeteria, que dava vista para a floresta de ipês que floresciam naquele mês, uma moça de cabelos castanhos longos e olhar distante.
Lila ficou curiosa sobre a moça de olhar distante e permaneceu examinando cada informação que fosse visível aquela distância. Ela estava com um vestido preto, nada adequado para a manhã, pois era terrivelmente decotado, de mangas curtas e parecia ser de um tecido bem fino, de modo que não teria sido possível ela decidir sair com ele aquela manhã.
Lila deduziu que a moça havia pernoitado em alguma festa da cidade e havia passado ali para dar um jeito na ressaca com café forte antes de voltar para seja lá onde ela tivesse que ir.
Embora estivesse a uma distância considerável, Lila percebeu uma aliança de noivado na mão da moça, mesma mão que ela contornava a borda do copo com o indicador.
Ela parecia extremamente pensativa.
-Essa é Ella Meye. Noiva do filho do prefeito.- disse Mariana baixinho enquanto limpava o balcão que Lila estava.
-Nunca tinha visto. Parece tão distante, né?
-Segundo boatos, é uma suposição do povo na verdade, ela não está apaixonada pelo filho do prefeito e tudo não passa de um casamento pra unir famílias de negócios. Já que a família dela é dona de grandes empresas daqui da cidade que mantém filiais em outras cidades. - Lila ficou surpresa com o tanto que a auxiliar sabia sobre as especulações da vida da moça. - Não me olhe assim, eu disse que são o que dizem os boatos. Trabalho aqui há uma semana, dás 6 às 20h, meu entretenimento é ouvir conversação alheia.
Lila riu e voltou a olhar para Ella, que já não estava mais na mesa. Havia ido embora e Lila tão envolvida na narrativa de Mariana não percebeu.
Aquele café em manhã cinza trouxe a Lila um dos prazeres que já não se lembrava mais que existia por conta de seu exaustivo trabalho: o prazer de se sentar, tomar um café e conversar sobre coisas absolutamente sem relevância para sua vida pessoal, com alguém agradável. Sem a pressa de voltar pra casa, sem a pressa de ir para trabalho, sem a preocupação do horário atrasado. Sem nada... Só ela, a manhã cinza, as informações nada relevantes para si sobre a vida alheia e uma pessoa agradável do outro lado lhe fazendo companhia.
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Minha coletânea de contos
Short StoryAqui você encontrará contos sobre os mais diversos assuntos, alguns mais longos outros nem tanto. Mas lembre... Uma coisa nem sempre é apenas o que se vê. Leia com atenção e tire proveito das entrelinhas. Ainda sem data para próximas postagens.