4. Insônia

522 63 17
                                    

Ultimamente tem sido difícil
chegar. Tenho estado muito
tempo só. Todo mundo tem
um mundo privado onde
eles podem estar a sós

Eminem | Beautiful

J O S H U A

Gemo de frustração ao despertar, parecendo muito mais cansado do que quando fui dormir. Lentamente, enfio a mão embaixo do travesseiro e puxo o celular, cerrando as pálpebras quando a luz forte da tela alcança meus olhos. São 05:04 da manhã. Que porcaria, eu deveria ter dormido por meia hora a mais.

Levanto da cama de uma vez. Estou cansado, mas nunca consigo dormir de novo quando acordo tão cedo, me acostumei com a rotina ao longo dos anos.

O ar gelado resfria meu corpo nu assim que me afasto dos lençóis, indo em direção ao banheiro. Ligo o chuveiro, deixando a água fria cair em minha cabeça, despertando-me de qualquer resquício de sono.

Depois do banho, estava apressado o suficiente para não tomar café antes de sair. Não aguentava mais ficar um dia inteiro isolado no alto daquela montanha como costumava fazer, tem sido cada vez mais difícil me manter longe de tudo.

Estaciono o SUV preto em frente a loja de penhores. O sol ainda não nasceu, então as ruas ainda estão escuras e vazias. Puxo as chaves do bolso para destrancar a porta, mas franzo o cenho quando a chave gira uma única vez. Já estava aberta?

Entro devagar, as luzes daqui estão apagadas, mas a porta do escritório está aberta e a luz está acesa.

— Irina? — chamo, aproximando-me da entrada do escritório.

Arqueio as sobrancelhas em surpresa quando avisto Madison acomodada na mesa, com uma enorme papelada sobre ela. Sentada confortavelmente em uma das cadeiras executivas, parece concentrada, as sobrancelhas sutilmente franzidas enquanto anota algo em uma folha. Está usando fones de ouvido e provavelmente não me ouviu entrar.

Observo-a, as ondas loiras do cabelo claro caindo contra seu tronco, a pele branca contrastando com o moletom preto que está usando. Seus olhos azuis me encontram e ela deixa escapar um ofego assustado.

— Merda... Bom dia — Ela sorri um pouco, retirando os fones. — Não vi você aí.

— O que está fazendo aqui? — Solto, sem pensar, me arrependendo no mesmo instante.

Ela franze as sobrancelhas, me fazendo lembrar que meus instintos primitivos nas montanhas não são muito bem vindos aqui, na civilização costumamos dar bom dia.

— Bom dia... — Murmuro, andando até a mesa e deixando uma caixa cheia de documentos que trouxe de casa.

A garota observa enquanto mexo em tudo, sem perceber que estou olhando para ela ainda esperando uma resposta. Seus olhos se voltam para os meus e uma sobrancelha se ergue em seu rosto em uma interrogação.

— Então — Pigarreio. — o que você está fazendo aqui?

Sua expressão se torna algo como diversão libertina.

— Eu trabalho aqui — Ela se recosta na cadeira, lançando-me um olhar como se dissesse o óbvio.

Sento-me confortavelmente na cadeira de frente para Madison do outro lado da mesa, abrindo as pernas em frente ao meu corpo e descansando os cotovelos nos braços da cadeira. Madison fica muito bem ali, o porte confiante e decidido em meio a todos aqueles cálculos nos papéis. Ela está igualmente à vontade, não fosse pelo movimento da garganta engolindo em seco.

Seus olhos me observam. Meu corpo grande tomando todo o espaço, em comparação ao seu corpo pequeno ocupando aquela cadeira. Algo como satisfação me atinge vendo-a me olhar desse jeito e eu descarto o sentimento segundos depois, trincando o maxilar.

— Costuma vir trabalhar tão cedo?

— Hmm, só quando não consigo dormir direito — Ela suspira, voltando a atenção para os papéis.

— Virou a noite em uma festa? — Provoco, um sorriso se formando em meu rosto.

Meu estômago dá um nó imediatamente, por que estou agindo feito um imbecil com ela. Eu costumo fazer isso o tempo inteiro, agir feito um imbecil e afastar as pessoas, devolvendo o que estou acostumado a receber. Mas agir assim com ela não me parece certo.

Ao contrário do que esperava, seus olhos se voltam para mim e vejo uma faísca de diversão no fundo deles.

— Algo assim — Devolve no mesmo tom, a expressão quase provocativa.

A imagem de Madison em uma festa qualquer, dançando e sendo tocada e beijada por um idiota qualquer alcança meus pensamentos. Uma onda de choque me toma ao me dar conta do que estou pensando e desvio o olhar.

Ela é uma adolescente, é assim que se divertem e eu não devia estar pensando sobre isso.

— O que é toda essa papelada? — Mudo de assunto.

— Só estou atualizando as contas do mês, alguns clientes estão com contas pendentes... — Murmura, concentrada demais no que está anotando.

— É você quem cuida das contas da loja? — Pergunto, surpreso.

Ela levanta os olhos para mim mais uma vez e não há nada além de irritação neles agora.

— Algum problema?

Desconfiada. O canto da minha boca se retorce com o resquício de um sorriso. Não foi o que eu quis dizer e pelo visto eu não sou a única pessoa em que os outros costumam subestimar também.

— Problema nenhum. Só é um trabalho exigente demais para uma pessoa fazer sozinha.

Ela morde o interior da bochecha, percebendo que se precipitou. Eu não a culpo, no entanto. Não sou o tipo de pessoa que passa boas primeiras impressões.

— Estou acostumada com isso, sempre resolvia a papelada de casa quando morava na Rússia. — Sua voz sai mais leve, um ar nostálgico em seu rosto.

Franzo o cenho, por que diabos uma adolescente resolvia as contas de casa sozinha?

— Você? Não seus pais? — Não posso me impedir de perguntar.

Seu semblante muda quase imperceptivelmente e percebo que fiz uma pergunta delicada, mas sua reação me deixa curioso. Madison levanta da cadeira e me devolve um sorriso sem emoção.

— Café? — Pergunta, mudando de assunto. Ela encontra a interrogação em meu rosto. — tem um café na frente da loja.

— Não está cedo demais? Deve estar fechado.

Ela dá de ombros.

— Eles abrem mais cedo nas segundas, as vezes nas terças também, por conta do grande fluxo de caminhões de importações que descarregam aqui perto. — Diz, organizando as folhas na mesa.

Observo-a. Parece tão natural em meio ao caos desse escritório, como se não tivesse mais idade para estar dormindo até o meio dia, ou saindo por aí ao invés de se preocupar com trabalho quando sua tia pode muito bem mantê-la confortável em casa – o que tenho quase certeza de que Irina adoraria fazer.

Todas as segundas e algumas terças também, hein? Parece que alguém aqui tem vindo para o trabalho mais cedo mais vezes do que tenha deixado transparecer.

Me pergunto que rotina tinha uma garota de 19 anos para ter um sono tão leve assim.

Cypress GroveOnde histórias criam vida. Descubra agora