Umas duas semanas antes de seu pai falecer, Helena já havia notado que sua mãe estava estranha. Ela sabia que Dona Catarina não teria coragem de envenenar o próprio marido. Ou teria?
Nessa semana, ela esperou para que sua mãe deixasse o cômodo onde seu pai descansava e entrou sorrateiramente. Seu pai, que já fora um homem sadio e imponente, agora estava moribundo em cima da cama. Helena se aproximou o suficiente para que seu pai pudesse lhe ver.
— Pobre papai... – lamentava Helena, por mais que ela soubesse o quanto miserável era seu pai, ela continuara triste. – Queria poder fazer algo para ajudar...
Nesse momento, Joaquim segurou os pulsos de Helena com força e então apontou para a mesa. Na mesa haviam dois frascos, um vazio e outro com uma substancia que ela não conhecia. Cheirou. Logo ela descobriu do que se tratava. Era essência de carambola concentrada. Ela percebeu o que sua mãe estava fazendo.
— Me ajude... – disse Joaquim reunindo toda a força que pôde – pelo amor de Deus
Helena toma um susto e sai depressa do quarto antes de sua mãe voltar. No caminho ela deixa cair um dos frascos no chão.
Uma semana mais tarde, Helena encontra sua mãe se desfazendo do resto das carambolas que sobraram. Logo depois do enterro
— Então foi você que quebrou o frasco? – pergunta Catarina com a voz baixa – imagino que saiba o que são esses restos...
— Como você pôde? – pergunta Helena – ele era seu marido. Ele era meu pai
— Há coisas na vida que fazemos pelo bem de quem amamos
— Até mesmo matar? – perguntou Helena com um certo desprezo pela última palavra
— Ele abusou de mim e por pouco não abusou de você ou de alguma empregada. Tem coisas que seus livros de feminismo não ensinam. As vezes é melhor cortar o mau pela raiz do que se curvar a ele
— Eu sei que o papai era um homem difícil, mas mata-lo? Não sabia que a senhora era capaz disso... O que me impede de ir contar a polícia?
— Mataria quantos homens fossem necessário para preservar a minha família. Mataria o rei se fosse para proteger você e José
— Ora pois, irei na policia agora mesmo! – diz Helena ríspida
— Se tu fores a polícia, não será a você que irei castigar. Ou pensas que não sei que tu sais com a governanta? Não sei qual é a relação de vocês, mas eu as vi saindo de fininho naquele dia em que esse monstro lhe bateu! – diz Catarina quase gritando
Um silencio de repente toma conta da sala
— Eu a amo – diz Helena cabisbaixa
— Tu o que? – responde Catarina incrédula, mas de certa forma, não surpresa
— Eu a amo, mamãe. Por favor não a mande embora – lagrimas começam a escorrer dos olhos de Helena – não sei se amarei outra pessoa da mesma forma. Eu a amo. Por favor entenda.
Catarina abraça sua filha e as duas sentam no chão da cozinha.
— Tudo bem. Não entendo, mas tudo bem. – diz Catarina limpando as lagrimas de Helena. – Não vou deixar que aconteça nada com Alira. Vocês tem a minha bênção.
Catarina não entendia o sentimento de Helena. Talvez no fundo, ela quisesse proibir, mas não proibira. Talvez ela quisesse brigar, mas não brigara. Ela olhou para o passado e viu o que tinha sofrido nas mãos de Joaquim e decidira que, melhor ela estar com alguém que a ame do que viver um casamento de mentira e sofrer nas mãos de um qualquer.
— O funeral foi mesmo triste... – diz Núbia apoiada numa vassoura enquanto encarava as duas no chão
Num pulo, Catarina levanta
— Tu por acaso não tens o que varrer?
— Ora Dona Catarina, tinha que varrer a cozinha pra terminar o serviço e ir deitar, mas a senhora estava nele.
— Não precisa varrer, pode ir deitar.
Mais tarde naquela madrugada, Helena vai ao encontro de Alira no jardim da casa. Desde que começaram a sair, decidiram que o local delas seriam um pequeno casebre branco que tem no jardim, próximo a pequena horta, que estava começando a crescer algumas verduras, como alface. O casebre era pequeno, porém bem mobiliado. Tinha uma mesa de centro e quatro poltronas ao redor dela e algumas plantas espalhadas pelos cantos. Ramos de flores enfeitavam a parte de fora do casebre. A lua estava cheia e no ponto mais alto do céu. Alira estava em pé, apoiada na parede do casebre. Ela admirava a lua cheia. Helena a observava de longe, ansiosa para contar a ela a conversa que teve.
— Linda, não é mesmo? – diz Helena e fazendo Alira tropeçar para trás num susto
— Por Deus Helena, você me assustou – responde Alira se aproximando de Helena e logo em seguida selando seus lábios num beijo suscinto.
— Tenho novidades pra lhe contar. Dona Catarina sabe do nosso romance.
— O QUE? – exclama Alira desesperada – você contou? Meu Deus, estou perdida
— Se acalme! Ela nos deu sua bênção. Está tudo bem.
— E como você conseguiu que ela desse a sua benção?
— Então, a história é longa. Acontece que, ela envenenou meu pai com essência concentrada de carambola...
— Ela fez o que? – exclamou Alira perplexa
— Pois então, eu não sabia que ela tinha essa coragem. Ainda sinto falta do meu pai, mas eu sei que ele era um monstro. Apenas ela sabe o que viveu na mão daquele homem
— E onde que a bênção dela entra nessa história?
— Eu a confrontei depois da cerimônia. A vi jogando as carambolas fora
— Bem, isso explica aquele lixo que vimos naquele dia. E acredito que seu livro tenha reaparecido. Pelo que me lembro, o que sumiu foi bem o que continua informação sobre as carambolas.
— Exatamente, e bem, depois que a confrontei, eu disse que estava apaixonada por você e que se ela ousasse se intrometer, contaria a polícia.
— Isso não combina com você...
— Tá bom, fui menos agressiva, mas foi quase isso – diz ela soltando uma risadinha – jamais a entregaria, principalmente sabendo que meu pai fora um monstro. Bem, o que importa é que agora não precisamos nos esconder.
— Imaginei – diz Alira rindo e logo em seguida dando outro beijo em Helena
Helena retribui o beijo. Ele se estende e então Alira beija o pescoço de Helena aos poucos até chegar nos seios. Helena da um leve suspiro. Alira consegue sentir seu coração batendo rápida como uma escola de samba. Helena levanta a cabeça de Alira e então olha nos fundos dos olhos dela
— Estou pronta.
— Você tem certeza? – pergunta Alira
— Nunca estive tão certa de algo em toda minha vida
Alira beija aos poucos cada parte do corpo de Helena. E no meio de respirações ofegantes, e entre risadas e beijos, as duas se amaram até o a primeira luz solar aparecer.
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Beijos de Nata
RomanceNo Brasil de 1800, Alira, uma jovem cafuza, viaja do Pará até Salvador para trabalhar de governanta na casa de uma família de portugueses. Em uma grande mansão, situada em um dos bairros mais ricos da cidade, ela conhece Helena, filha mais velha da...