Arcaico | VMIN

A Maldição Da Desistência

Taehyung respirou fundo, e manteve-se em silêncio, enquanto sua matriarca rezava quieta conforme o incenso de ervas naturais queimava no centro da pequena mesa de madeira clara e redonda. O aroma era terapêutico, mesmo que forte, e sempre trazia paz ao coração do rapaz. Apenas algumas velas espalhadas por ali irrompiam a escuridão daquela noite gelada.

Não tardou também em fechar seus olhos como a outra, espiando sua pequena irmã Heejin que contorcia o rosto por causa do cheiro intenso que havia tomado o cômodo apertado. Ele sorriu minimamente e a cutucou, recebendo um enorme bico da menina, que cruzou os braços e balançou as pernas de forma impaciente, mas obedeceu e fechou os olhos. Então Taehyung a acompanhou e, sem mais cerimônias, começou sua própria reza silenciosa ao som das ervas que queimavam sutilmente.

Sim, sua mãe sempre tinha ensinado aos filhos o verdadeiro significado e o segredo de uma oração poderosa. Não era sobre rezar aos deuses ou seres superiores, era sobre rezar para si mesmo. Um mantra pessoal, que deve trazer paz ao indivíduo no lugar de colocá-lo como inferior. "Não há nada mais glorioso neste mundo que um ser que conhece sua própria capacidade e seu próprio poder como filho da natureza." era o que a progenitora sempre dizia, e seus filhos a seguiam como verdadeiros fiéis, pois a mãe era a mulher mais graciosa que já tinham conhecido em todos os seus anos de vida.

O jovem rapaz sempre usava aquele momento antes de dormirem para respirar fundo e buscar calmaria depois de um dia agitado e cansativo. Suas mãos juntas em cima da mesa, seus olhos fechados, sua respiração calma e seu corpo confortável na cadeira. As roupas de dormir eram finas, mas o frio em nada lhe incomodava, pois aquele era o momento onde se conectava com o ambiente. Era quando apurava sua audição para ouvir o vento uivando lá fora, balançando as árvores e as plantações humildes de sua família. Era quando deixava o sereno gelado penetrar sua pele e fazer abrigo, lhe lembrando que nunca haveria paz sem antes haver a turbulência e o desconforto. Sim, sua mãe tinha lhe ensinado tudo aquilo, tinha lhe mostrado como se ligar espiritualmente com tudo à sua volta, inclusive seu eu mágico que adormecia quando não era possível manter a conexão durante o dia.

Ele já não conseguia imaginar alguma vez onde iria dormir sem tirar alguns minutos para rezar. Não, se não fizesse uma oração para si mesmo e para a mãe natureza, seus dias não estavam completos. Aquilo fazia parte de sua essência. Sem a terra, o ar, a água e o fogo, suas vidas não teriam significado naquele plano astral, então Taehyung agradecia do fundo de seu coração, desde o momento em que abria seus olhos até o momento em que se deitava para fechá-los novamente. E além de tudo, sua alma estava em paz por saber que toda sua família era guiada por uma mulher tão honrosa quanto sua mãe.

—‌ Resistimos mais um dia, minhas crianças —‌ a progenitora disse, já quando todos os três tinham seus olhos abertos. O incenso já tinha queimado por inteiro. Heejin estava sentada de forma desleixada na cadeira, enquanto os outros dois pareciam apenas cansados.

—‌ Resistimos, minha mãe —‌ ele concordou, a voz baixa e um sorriso pequeno em seu rosto enquanto assentia, pensativo.

—‌ Resistimos... —‌ disse a pequena, soando frustrada. Ela tinha cara de quem não estava muito contente com aquele assunto. —‌ Por que temos que continuar resistindo? Sinto falta de brincar com as crianças na cidade... —‌ murmurou baixo, as mãozinhas juntas em cima da mesa brincando com os próprios dedos. O bico tristonho não deixava seus lábios.

Os outros dois trocaram um olhar nervoso, nem um pouco surpresos pela garota dizer todas aquelas coisas. Ela andava fazendo aquilo todos os dias nas duas últimas semanas. Taehyung suspirou.

—‌ Não está em nossas mãos, pequena —‌ respondeu a ela, que resmungou insatisfeita. —‌ Os guardas não gostam mais de nós como gostavam antes. Eles vão fazer mal até mesmo a uma criança como você caso apareça por lá outra vez.