Karma bebericou da xícara de chá, fazendo movimentos circulares para misturar a bebida, depois devolveu o olhar profundo de Shiori, a qual estava apoiada sobre a mesa com uma expressão atordoada, as mãos suavam frio e tremia de pavor. Ela batucava os dedos incessantemente na mesa. Permaneceram calados durante uns instantes, Karma consumindo seu chá de camomila, enquanto Amaya beirava um ataque de pânico. Se Karma ao menos soubesse o motivo de ela estar tão incomodada.
— Está tão curiosa assim?
— Curiosa? — Shiori riu um riso perturbador. — Eu estou preocupada! Por que está agindo como se não fosse nada?
Akabane balançou os ombros em desdém, bebendo mais um gole de chá.
— Não é nada demais.
— Karma, você tentou cometer suicídio! — Ela exclamou. — Como pode achar isso "normal"?!
— Olha, eu nunca disse que é normal. Apenas disse que não é nada demais. Não entendo por que você está tão aterrorizada. — Karma ajeitou a cadeira para ficar de frente para a enfermeira. — Você nunca conheceu alguém que tentou suicídio?
Assim que pousou o olhar sobre ela, Karma se arrependeu amargamente do que tinha dito. Shiori manchou seu rosto com pequenas gotas de tristeza. Ela forçava o próprio corpo a não expor para o homem, nem para qualquer outra pessoa, o quanto isso a afetava — por experiência própria, ela se preocupava. A resposta para a pergunta de Karma era um simples "sim". Conheceu alguém e sonhou todas as noites com esse ato cruel, que a castigaria pelo resto de sua vida caso tivesse sido bem-sucedido. Mas ela teve sorte ao conseguir dar àquela pessoa uma razão para continuar lutando, embora, agora, aquelas palavras não valessem nada diante do discurso frio dessa mesma pessoa. Olhando nos olhos de Karma, no entanto, ela sentia que havia uma chance de fazê-lo mudar de ideia. Talvez pudesse impedi-lo como fizera no colegial, e, quem sabe, através disso poderia trazer Karma de volta à consciência.
Karma largou a xícara sobre a mesa e abaixou o rosto para não ter de olhar aquela expressão sofrida da enfermeira — por muitos motivos, mas o principal deles era porque, mesmo chorosa, ela continuava belíssima. E isso era assustador. Despertava emoções dentro dele que Karma acreditava jazerem no cemitério que ele mesmo construiu para seu passado; e de lá todos se reergueram, gritaram, e mostraram para Karma que estava errado desde o início. Essas emoções nunca morreram de fato. Apenas estiveram adormecidas durante um longo tempo.
— Me desculpe — gaguejou debaixo da tensão. — Se quiser mesmo falar sobre isso, direi tudo que consigo me lembrar.
Embora ele não soubesse, ainda era submisso ao olhar acusatório de seu anjinho preferido. Shiori cruzou os braços e corrigiu a postura na cadeira, para, enfim, dar início ao que lhe interessava — pelo menos, um dos pontos importantes dessa história.
— Por que tentou suicídio?
— Minha mãe contou que certa noite, eu vi uma foto minha junto de outra pessoa. Aquele garoto. Então, consegui me lembrar de tudo o que me aconteceu. Fosse o colegial, fosse minha infância, fosse exclusivamente o menino; eu sabia responder tudo isso. Mas lembrava também de que nunca mais iria vê-lo e, por isso, ou por drama, eu não sei.... Eu só tentei me matar. — Karma suspirou, em seguida puxou as mangas da camisa. Ele desenrolou as bandagens e mostrou todas as cicatrizes que havia debaixo dela, inclusive algumas eram recentes. De alguns dos cortes, pequenas bolhas de sangue se formaram e expandiram sua gota em uma linha vermelha pelo braço, trazendo recordações cruéis para Amaya. Ela sabia que em algum lugar, dentre tantas cicatrizes, tinha a primeira que deu um começo para esse vício; justamente aquela que a fez ter intermináveis pesadelos. — Como pôde ver, nenhuma me fez alcançar meu objetivo. Eu entrei em coma após a primeira tentativa, e quando acordei, dois meses depois, já não lembrava de mais nada além do incêndio e o curto intervalo de apagão entre aquela noite e o momento em que vi a foto.
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My Dying Flower
FanfictionKarma não lembra de nada sobre o colegial. Depois de tanto sofrimento por um passado vago, além dos sonhos recorrentes a respeito de uma garota de olhos e cabelos azuis, ele finalmente tem a chance de descobrir o motivo de sua loucura.