1 | Ressaca

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Já era manhã quando acordei e vi Dean e Sam caídos de bebados no chão do meu quarto, enquanto Ayumi estava desmaiada ao meu lado na cama. Levantei devagar para ir ao banheiro, o quarto todo uma bagunça total, minha atenção logo foi desviada para o barulho que vinha da cozinha, abri a porta com calma e vi que Maya já estava acordada fazendo algum tipo de gororoba verde.
Que nojo.
Não sei dizer se é minha ressaca falando ou o cheiro forte que vem de lá.

Caminhei até ela, cambaleando entre os corredores do meu apartamento.
Droga, como cheguei em casa?

— Você acordou! — Falou ela ao me ver, animada com aquela batida verde e gosmenta.
A verdade é que ninguém faz a mínima ideia de como ela consegue beber tanto e se ver livre de ressaca no outro dia, só podem ser super poderes. É, com certeza são super poderes.

— Fala sério — Respondi — Você vem de outro planeta, é algum monstro ou tem sangue de vampiro? — Minha voz saiu rouca e pesada.

Maya sorriu, um sorriso aberto e completo, aconchegante para aqueles que a conhecem bem — Você está péssima, precisa de um banho.

— Ah é? — Ironizei — Nem percebi.

Alex saiu do banheiro enrolado da cintura pra baixo em uma toalha preta do batman.
Vi imediatamente Maya pular em cima do meu irmão, graças ao universo aquela toalha não caiu.

— Que cheiro ruim é esse? — Perguntou ele se fazendo de sonso e abrindo um sorriso irônico ao me ver.
O desgraçado é a minha cópia.

— Deve vim de você, não sabe tomar banho e aproveita pra julgar a vida alheia — Rebati — Dessa vez sorrindo.

— Vocês dois! — Interviu Maya — Não quero ninguém se esmurrando nessa cozinha.

Alex namorava Maya a algum tempo, eu os havia apresentado no baile de primavera dois anos atrás.
Apesar de ser irmão somente parte de pai, éramos iguais. Alex foi fruto do primeiro casamento do meu pai, infelizmente a mãe dele faleceu e uns três anos depois meu pai conheceu minha mãe, não demorou muito para que ela ficasse grávida. Fomos criados juntos e minha mãe o trata como filho, éramos inseparáveis, apesar de não suportar estar na presença um do outro.
Ele é aquele velho estereótipo de macho alfa que fica todo bobão perto da fêmea.

— Ninguém aqui vai se esmurrar amor, eu só estava falando desse ar meio tóxico, estilo aquela cidade lá que explodiu — E então saiu andando com a toalha ridícula dele.

— Chernobyl seu burro — Gritei, minha voz presa e desidratada — É isso que dá largar a faculdade.

— Vê se escova os dentes — Gritou ele de volta — Daqui da pra sentir.

— Vai se foder Alex.

Eu realmente precisava de um banho e de higiene matinal depois da festa de ontem, mas não admitiria isso em voz alta, vai contra minhas leis.

Fui até a torneira e enchi o copo até a metade, bebendo a água quase toda e gargarejando com o resto. A ressaca consegue acabar com o ego de qualquer pessoa, definitivamente.

— Vocês fazem muito barulho — Ayumi estava com um blusão verde, provavelmente a camisa do Dean, o olho totalmente fechado — Que horas são? — Perguntou.

— Nove e quarenta e cinco — May respondeu — Eu acho.

Ayumi se mudou para San Diego há pelo menos cinco anos. Os pais dela se separaram e ela veio direto do japão com a mãe. E apesar de não falar com frequência, ela se supera de todas as formas quando se trata de aparência.

— E o que aconteceu ontem? — Perguntou, a voz quase inexistente.

— Acho que não me lembro muito bem — Falei, finalmente com a voz recuperada.

— Alex disse que uma menina ficou pelada no meio do lugar e teve até polícia — Disse Maya que segurava aquele maldito suco cor de cocô de neném.

Não continuei a conversa com elas, em vez disso fui até o banheiro, precisava de um banho e roupas limpas.
Quando fui tirando a roupa percebi que tinha glitter em todo canto, em todo canto mesmo. E apesar de não saber como vinheram parar onde está, continuei me despindo e tirando aquela maquiagem horrível de manequim dos anos oitenta.
Liguei a água quente no máximo, sentido minha pele arder de encontro a ela, tentando recuperar o sentido e as memórias.
Banho é a minha definição de paraíso entre quatro paredes.
Mas obviamente meu paraíso não durou muito.

— Lissa, posso entrar? — A voz de Sam saiu quase como um sussurro.

— Sim — Confirmei.

Ele entrou no banheiro e arregalou os olhos ao me ver despida embaixo do chuveiro. Sempre a mesma reação todas as vezes que eu estava pelada, seja montando nele ou trocando de roupa na sua frente.

Vi ele entrar no box, a pele negra encostando na minha quase branca demais, o hálito quente, pasta de hortelã, contra meu pescoço.

Nós não falamos nada, apenas continuamos ali. Ele e eu, íntimos de uma forma que ninguém poderia imaginar. O cara por quem me apaixonei e o único capaz de me fazer expressar algum sentimento.

Meu paraíso não deixou de existir, não com ele ali.

[....]

Depois do almoço, me encostei contra o sofá que ficava na varanda, a galera toda já estava acordada e pronta pra mais uma noitada. Dean e Alex jogavam videogame enquanto Sam tentava explicar a Maya o que tinha acontecido com o rolo da polícia.

Eu estava preocupada com tudo aquilo, com meu último ano, o papai voltando de Milão com a nova mulher e pior, não fazia ideia do que queria fazer da vida. Alex tinha acabado de largar três anos em Harvard e todo mundo tem a esperança de que eu termine o que ele começou. Se eu tenho? Isso seria dizer demais.
Pensei em passar um tempo em Stanford já que mamãe é palestrante lá e cuida do meu irmão, filho do meu padrasto, mas não sei se seria bom acordar com a gritaria da casa e os alunos mimados da faculdade.

Mas apesar de tudo, havia tempo. Alex combinou com papai de ficar responsável pela casa em Malibu, isso quer dizer que vão ser três semanas de festas, álcool e seja lá o que os garotos costumam usar. O último verão antes de todas as responsabilidades e antes da faculdade.

— Você está bem? — Senti Ayumi se aconchegar ao meu lado — Tenta não pensar muito, afinal, a gente vai continuar se falando.

Se ela consegue ler meus pensamentos? Lá no fundo eu sinto que sim, porque não é possível.

— Como não pensar? Você vai voltar pro Japão, Sam vai surfar na austrália e Maya vai pra NYU. Como exatamente espera que eu viva sem vocês? É bom deixar claro que a gente se conhece desde o colegial — Falei rápido e sem dar muito espaço, as palavras saíram quase repetitivas.

Ayumi costumava causar essa impressão nas pessoas, fazer com que se sintam seguras para conversar sobre tudo. Eu simplesmente não media esforços desabafando com ela.

— É exatamente por isso — Ela rebateu — Você não entende? Não importa que cada um vá morar em uma parte do mundo, nós vivemos na era moderna, eu posso te enviar uma mensagem mesmo se estiver lá no Japão, Sam pode te enviar um vídeo surfando na Austrália. Não vai mudar nada, Lissa. Não vai mudar porque nós somos família.

— É — Concordei com a cabeça — Você está certa.

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