O Senhor do Vento

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O vento batia contra meu rosto, sem cautela, sem hesitação. Inebriante. Abaixo de mim o penhasco com a visão da queda me esperando, quase um convite solitário. Seria mortal para qualquer um. Não era algo planejado, nem mesmo queria isso de um passeio matinal. A movimentação em minhas costas se fez presente, ajeitei o tecido que mantinha a pequena rente as minhas costas, as pequenas mãos tateavam meus ombros e o pequeno rosto anunciava um resmungo, o som do vento o despertou. Era um milagre que algo interrompia seu sono. Eu apenas sorri, de fato não era o esperado de um passeio entre pai e filho. "Shhh" eu murmurei, esperando que adormecesse, teríamos problemas se ele se movimentasse no trajeto. Seus olhos eram dourados como o mais puro ouro, os mesmos de sua mãe. Esperei que ele se ajeitasse enquanto eu firmava o tecido em torno de meu corpo. Problemas sempre chegavam, e não eram visitas solitárias. As botas rangeram quando tocaram aa beirada do penhasco, algumas pedras caíram. Olhei para mim mesmo, não era uma boa ideia ter saído assim, a calça escura e camisa acinzentada eram longe de serem algo que serviria de proteção. Meus olhos, azuis como o tempestuoso oceano olharam o céu. Limpo, sem nuvens. Ela estava ali, zelando por mim, por nós. E estava de bom humor. Ah, isso era... Bom. Era um bom sinal. Recuei os passos, respirando profundamente, a adrenalina pulsando forte, como uma droga na qual eu era viciado desde a primeira vez em que mergulhei na melodia do vento.

— Pronto para seu primeiro passeio no vento? — Sabia que ela estaria furiosa, talvez me encarasse com os olhos dourados e os lábios rosados estivessem tensos, esperando que eu os tocasse para impedir uma nova discussão. Mas, os perigos que nos rondavam nas florestas eram muitos e eu queria que os medos do pequeno fossem nenhum. Era filho da vida, e do vento. Amaria que ele sentisse o que era aquela sensação. — Bem, acho que seria bom uma manhã de pai e filho. — Meus olhos ganharam um novo brilho com o reluzir da luz do dia contra meu rosto. Respirei profunda e corri, tão rápido que quando saltei do penhasco poderia sentir que eu era um dos pássaros livres do céu, os cabelos bagunçaram-se e em um movimento de meus dedos era como se eu tivesse o controle, como se asas estivessem em meu corpo e que as penas tivessem o poder dos ventos de todos os cantos daquele mundo. O céu era sublime, a minha segunda casa mais reconfortante. Uma liberdade que jamais teria experimentado se os céus não tivessem me agraciado. Fechei os olhos, sentindo como se a brisa tocasse minha alma, e os abri ao desbravar os céus, em uma descida íngreme sendo levado pelo vento que agia de acordo com meus dedos, de minhas palmas. Segurei melhor o tecido, as pequenas mãos apertavam minha camisa. Virei o corpo, erguendo a mão acima de minha cabeça. Pronto, a queda era leve e graciosa. No aproximávamos das florestas, das altas árvores e dos lagos cristalinos que por ali passavam, o aroma da grama molhada e o som dos pássaros se afastando quando meus pés tocaram o chão. Era confortável, agradável, eu diria. Ayras chorou, um choro rabugento, o olhei por cima do ombro. Ele parou de chorar quando me olhou, e riu. — Gostou do passeio? Sua mãe quase me bateu quando fiz o mesmo com ela. — O pequeno parecia atento, a curiosidade infantil tão adorável — O vento é indomável e invencível, assim que você será. — Falei, voltando a olhar para frente. A montanha bem atrás de nós contava histórias, a maior parte delas sobre ela. A mãe de Ayras, aquela que vivia em tudo o que se toca, que se vê. Poderia voltar e me deleitar dos lábios dela, sentir o perfume doce de seus cabelos, mas havia trabalho a ser feito. Este trabalho que afirmei que poderia fazer, mesmo que minha fama e minhas histórias não fossem das melhores. Não, eu não era ela. Illy era como um ser iluminado que era impossível não a olhar sem querer tomá-la para si, fora a bondade dela que fez esse mundo o que ele é, enquanto eu continuei sendo por séculos a presença questionável e isolada nas montanhas. Odiava ter de descer, detestava ter de fazer isso. O Senhor do Vento era um apelido formidável. Não tanto quanto o que eu via, os passos cautelosos na grama subiram a alta colina, uma das muitas do Declínio de Merlin, observando o verde da floresta misturado com os tons em um leve marrom das árvores e então, o problema. Visitantes perdidos em uma área que não era nem mesmo permitida, um suspiro cansado saiu de meus lábios. Não deveria ter trazido Ayras, achei que seria algo de rotina. Ali estavam eles, um grupo de caçadores andando sem o menor cuidado, continuei a observar e aquele grupo pareceu-me estúpido ao parar a frente de um riacho. Havíamos lidado com muitos problemas com humanos como eles no passado, dessa vez tentei pensar em um meio de resolver que acabasse em menos sangue, mesmo que isso fosse mérito deles. Eram eles que começavam guerras, ou que se achavam no direito de tomar tudo aquilo que não era deles. E acertei em pensar que eram estúpidos, aquele grupo de cinco havia mesmo invadido e estavam montando acampamento até que um deles, baixo e rechonchudo, que de onde eu estava parecia o mais culto de todos eles, apontava para uma direção onde se aventurou a pegar uma rara planta que nascia a beirada dos riachos do Declívio, foi simples assim. As barracas porcamente montadas quase foram esmagadas quando as rochas do chão úmido se uniram, todas seguindo a mesma direção, os rochedos aglomerando-se dando forma a um ser grandioso que fizera um som dilacerante, os caçadores estavam apavorados, gritavam e buscavam os arcos. Como eu disse, eram idiotas. Fiquei olhando dali, entre as árvores. Um dos galhos cresceu em um formato curvo. Olhei em desinteresse para a árvore, ri baixo. Ela estava em todo lugar, era um sinal.

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