Assim como uma gota no Oceano

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As embarcações paradas no porto, as águas batiam contra as canoas e de longe se escutava o cantar dos pescadores e dos pescadores que iam e vinham com os cestos de peixe. O fedor de mais um dia que sobreviviam não carregava o gosto da glórias que almejavam, tudo era incerto e banhado de tonalidades cinzas igualmente das nuvens pesadas que cobriam os céus, as ondas do mar vinham com força e o som era reconfortante, de mais um dia que iam, que vinham, e do bater das nadadeiras dos peixes nos cestos ou nas redes que eram jogadas ao mar. De onde estavam, era inebriante a sensação imutável da beleza que um dia aquele litoral tivera. De certo não era o que Adrias admirava, não havia conseguido aproveitar muito dos mares do Norte quando havia sido arrastado da pequena casa e suas mãos aos prantos, ajoelhando-se ao chão, gritando que o filho nada teria feito e que não o levasse para as águas que não tivessem o levado para a punição, mesmo com ele tentando se justificar era claro que os soldados não o escutariam. E a fome e a miséria dos vilarejos ao Sul era algo ignorado mesmo quando um garoto tivera a iniciativa de pensar na vida dos irmãos e dos pais, pedir esmolas nas ruas era o mesmo que pedir para que as pessoas os ignorassem e que não os vissem como seres dignos de respeito ou de um pouco de empatia. Foi uma imensidão que tocava o litoral do Sul, e parecia que a força destes ventos haveria varrido a humanidade daquelas terras e a necessidade fervorosa se fez presente, como um grito de seu irmão que agonizava de fome, das caminhadas nas areias pálidas da velha praia onde esperavam que algum animal encalhasse ou que conseguissem algum animal para servir de alimento. Adrias tivera o sol sobre a cabeça quando nasceu, e foi em um dia de sol quente que foi arrancado de seu lar após roubar algumas frutas frescas do mercado, onde os vendedores com suas altas vozes gritavam e berravam por terem sido roubados, como se também não roubassem todos os dias o mínimo direito de sobrevivência quando aumentavam os custos. O sol mais uma vez se fez forte enquanto as correntes se arrastavam na embarcação que fora colocado, o interior era úmido e com escassas janelas, por vezes conseguia escutar os passos e o cantar dos marinheiros, e como os demais escravos que cumpriam sua pena, o crime de existir e de persistir em um mundo que lhe já havia lhes negado ter uma chance de vida digna. A embarcação balançava de um lado para o outro e com isso, via muitos dos escravos tentarem se acostumar quando a luz forte do dia entrou ali e os superiores gritavam para se levantarem. Obedeciam como máquinas sem sentimento, sem vontades até subir o lance de escadas e olharem o horizonte, as gaivotas que passavam pelo céu e o porto barulhento e que fedia a peixe dando as boas-vindas. Era uma parada brusca e rápida, pegariam um carregamento para seguirem viagem, e os marinheiros não carregariam.

Adrias sabia que essa era a função dos escravos. Andavam quase em um som perfeito de submissão e vergonha, homens de roupas surradas e pele suja, as correntes nos calcanhares como uma caminhada envergonhada mostrando que eram criminosos, que eram sujos e maltrapilhos enquanto passavam pelas pessoas e pelas tavernas, eram amarrados logo abaixo de onde o sol batia. Até mesmo os cavalos tinham um melhor tratamento, mas eles não eram animais, apenas ferramentas. E em baixo do sol ele se manteve, enquanto os marinheiros adentravam uma taverna antes de buscarem o carregamento que os escravos carregariam, Adrias estava exausto, as pernas tremiam e encarava os demais, todos suando debaixo do sol, e lá dentro os soldados se serviam de bebidas em grandes canecas, e sentavam-se ás mesas jogando moedas para as dançarinas que se sentariam em seu colo com sussurros falsos. Adrias temia que um dia a irmã pudesse se tornar uma delas, com a tristeza nos olhos opacos, em busca de algumas moedas para ter o que comer. O mundo abandonou a todos, e de certa maneira ele pensava que as criaturas da floresta eram mais felizes, não sofriam com as cruéis escolhas do mundo dos humanos. Ele tinha os lábios secos, daria tudo por um pouco de água, e o homem ao lado, tão cansado passou os dedos ásperos na barba grisalha, olhando a taverna, e como da janela via-se o Capitão próximo do balcão, com uma mulher sentada no colo, a mão passando grosseiramente na coxa. A garota talvez não tivesse mais do que dezessete. Adrias não olhou, teve raiva, teve pena. Tudo que pensou era que ela, assim como todos, lutava como podia para sobreviver.

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