- Espere aqui por favor. - Sebastian pede e se retira da cozinha sem nem receber uma resposta minha. Parece confuso, senão perturbado.
Me acomodo no canto do balcão da cozinha. É meio difícil subir. Eu não sou lá muito alta e não tenho ajuda das mãos.
Reprimo um gemido e estendo as duas abertas a minha frente. O sangue já coagulou, mas ainda sim elas estão encharcadas com o líquido espesso. Sobre a luz das dezenas de velas que são usadas na cozinha os cacos e o sangue brilhoso me deixariam fascinada. Se olhar para isso não doesse tanto.
Na realidade o pior da dor já passou. A única coisa que sinto agora é um latejar constante e a ardência sempre que faço algum movimento com elas, mesmo que mínimo. O que mais me incomoda é as batidas do meu coração martelando contra as costelas sempre que eu me lembro do que aconteceu antes. Da reação de Michaelis.
Obviamente eu estava vendo coisas, eu sei. Eu fiquei tonta depois que me levantei tão rápido. O que não me garante que o que vi não possa ter sido a minha mente pregando peças?
Ergo os olhos quando a porta da cozinha range. Magda e Fred entram conversando animadamente trazendo os pratos sujos do jantar. Quando Fred me vê, seus olhos vão direto para as minhas mãos.
- O que aconteceu? - Magda pergunta, correndo até mim ainda com os pratos nas mãos. - como você fez isso, menina?
Contraio as mãos quase que por instinto, tentando não preocupa- la. Magda é tipicamente uma dessas pessoas que quando vêem sangue começam a se desesperar. Lembro de uma vez em que Ciel tinha dez anos e tentou se equilibrar nos muros das casas ao lado da nossa, ele voltou no fim do dia com um enorme corte na testa. O estrago nem foi tão grande assim, mas ele deixou de propósito o sangue no rosto para assustar Magda. Meu primo nem sempre era uma peste. Chegava a ser até uma criança calma, mas quando ele queria nos assustar, fazia isso de uma forma quase profissional.
- Magda eu estou bem. - Digo, mas é inútil. Ela já pega as minhas mãos pelos pulsos e as coloca debaixo da torneira. Seus olhos parecem dois pires de chá.
- Francamente como você conseguiu fazer isso? - ela pergunta ofegante. Sibilo sentindo a água gelada molhar os meus cortes. Ela olha para a água cor de ferrugem descendo pelo ralo.
- Tsc tsc, essa menina. - Fred diz empilhando os pratos na sua parte mais afastada da pia com humor. Ele diz essas coisas com o seu sotaque descolado típico dos americanos. Tia Ann o acha ridículo e sem classe, mas eu sou maravilhada por ele. Se algum dia conseguir, pretendo ir até a América ao menos uma vez na vida. Ver se todos os americanos falam como Fred ou ele faz isso só para mexer com a gente - não é óbvio Magda, ela está aprontando agora o que não aprontou quando era uma pirralinha.
Sorrio para ele apesar da ardência, ele simplesmente pisca um olho e volta a sua atenção para as tarefas.
- Desculpe a demora. Foi difícil achar o kit de primeiros socorros. - ouço a voz de Michaelis quando ele entra na cozinha. Magda olha para ele por sobre o ombro e se retira sem falar uma palavra. Qualquer um pode tomar essa atitude como timidez, mas eu sei que ela faz isso por que se sente incomodada.
- Vamos ter que tirar esses cacos. - Ele diz analisando cuidadosamente as minhas palmas. Agora que o sangue já foi lavado posso ver os vários caquinhos minúsculos cravados na carne.
Isso vai doer.
- vou tentar ser o mais cuidadoso o possível, mas é impossível impedir que você sinta alguma dor. - ele diz e me olha diretamente nos olhos, querendo reforçar as palavras. Engulo em seco e assinto. Contanto que ele não faça novamente aquela expressão estranha, pode fazer o que quiser.
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O Filho de Caim
Fiksi PenggemarAnelise Phantomhive é a única herdeira da mais tradicional família da Inglaterra. Com a mãe assassinada quando criança e logo depois o seu sequestro e de seu primo, a garota, hoje com 20 anos, tem de conviver com a constante pressão de administrar a...