"Querido Diário,
Faz exatamente 6 meses que não escrevo mas, amanhã vai ser meu primeiro dia de aula logo depois de ter ficado 2 anos sem ir para a escola e, isso tem me tornado um poço de estresse e ansiedade, tudo por conta dessa maldita insegurança... Eu não devia estar assim, não devia ter medo, não devia temer somente por ser quem eu sou mas, a verdade é que pessoas como eu vão sempre ser perseguidas, em qualquer lugar, e é isso que me preocupa... Mas, eu preciso ser forte, não sou eu quem deve temer e sim eles..."
Só me lembro de ter escrito essas palavras antes de sentir as minhas pálbebras pesarem e uma escuridão profunda invadir meus pensamentos. Amanheceu e, pude ter a honra de acordar junto ao sol, que ia nascendo lentamente, enquanto os passarinhos festejavam do lado de fora da sacada do meu quarto. Meus olhos pesavam e confesso que foi difícil de os abrir mas, logo após ter conseguido, levantei meu corpo e me sentei sobre a cama, colocando minhas lindas e aconchegantes pantufas brancas, e então segui até o banheiro para começar a me produzir para o tão esperado dia.
Em meu celular, já constava ser 6h30 da manhã quando finalmente terminei de me arrumar e comecei a descer as escadas. Minha sorte era de que a escola já tinha seu próprio uniforme, então não precisaria me dar o luxo de escolher minha roupa, nem mesmo os sapatos. O uniforme era basicamente uma saia xadrez cinza, uma blusa social branca e também um casaco da cor vermelha, com detalhes pretos em algumas partes e, claro, também tem a gravata preta e as meias, não posso me esquecer de mencionar elas. Enfim, naquela manhã não tinha feito muita coisa, apenas fiz uma maquiagem básica e deixei meus cabelos negros secarem naturalmente que, aliás ficaram ondulados, parecendo até que tinha feito Babyliss.
Quando desci as escadas encontrei meus pais e meu irmão, que estavam sentados na mesa da cozinha enquanto tomavam café da manhã. Minha mãe e meu pai eram pessoas altas e praticamente idênticas, tinham o mesmo sorriso, a única coisa que os diferenciava eram seus tons de pele - minha mãe, uma mulher branca de cabelos pretos e lisos assim como os meus e meu pai, um homem negro, com os olhos mais lindos do mundo e meu irmão teve a sorte de puxar isso dele. Já aproveitando a deixa, vou falar um pouco sobre meu irmão, Mike: Ele tem 15 anos, um ano mais novo que eu, seu tom de pele é tão claro quanto o da minha mãe, já diferente de mim, que sou morena. Desde criança nossa relação nunca foi das melhores mas, depois que ele foi uma das primeiras pessoas além de meus pais a entenderem que eu era uma mulher trans, nossa relação melhorou e muito e, nesse tempo de pandemia ele virou nada mais e nada menos que meu melhor amigo.
— Vamos, meu Docinho. Coma logo antes que você acabe nos atrasando, preciso deixar vocês no colégio e ir correndo para a empresa, temos uma reunião às 07h30. — Disse minha mãe.
Peguei uma maçã da fruteira e a mordi, logo voltei a olhar para meus pais, enquanto um sorriso ardiloso se formava em meus lábios:
— Prontinho. Vamos?
***
E então chegamos. Nos despedimos de nossa mãe e então ela partiu, foi aí que levei meus olhos para a entrada e pude engolir em seco depois de ver todos aqueles adolescentes reunidos, cada um em seu grupo ou até mesmo sozinhos. Imaginei que o medo estivesse estampado demais em minha cara e tentei desviar o olhar quando Mike disse:
— Ei, se você sentir que não está preparada e não quiser entrar então não precisa fazer isso. — Ele pegou em minhas mãos, em uma tentativa sábia de me acalmar.
— Não. Uma hora eu vou precisar enfrentar isso e, não posso querer evitar sofrer preconceito, porque isso vai ter em todo o lugar que for, então preciso só contar até três e entramos.
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Sem Saber Quem Sou
RomanceEste livro vai contar a história de Crystal, uma garota trans que, após 2 anos sem ir para a escola por consequência de uma pandemia mundial, vai finalmente se reencontrar com seus colegas, de uma forma totalmente diferente da que a conheciam. Esse...