Nunca Conte Comigo

[2] Conflitos internos de uma relação incomum.

Suas roupas cheiravam à lavanda e chá verde, assim como tudo ao seu redor.

A dor de cabeça que lhe perturbava há meses simplesmente havia desaparecido. Nunca agradeceu tanto as quaisquer que fossem as entidades que existiam por isso. Entretanto, o sentimento esquisito de não reconhecer o próprio quarto cutucava seu ombro, gentilmente.

O lugar definitivamente não era o seu quarto. O assustador tom de branco vívido das paredes eram incomuns demais, e ao mesmo tempo familiar demais. Os barulhos e tiques do relógio antigo na parede pareciam tão descompassados quanto sua respiração, e os "bipes" vindos de sua direita substituíram a frequência de 60 segundos do ponteiro.

Tentar mover seus dedos das mãos era tão inútil quanto tentar desembaçar sua visão, e o cheiro de lavanda e chá era levado para longe, trocando de lugar com aquele aroma hospitalar péssimo que embrulhava o estômago. O ar, de repente, fez-se ausente, preso nos pulmões da garota.

Aquele pesadelo, mais uma vez? - Não ousou abrir a boca para reclamar. Caitlyn permaneceu deitada na maca deprimente, aceitando um destino enjoativo.

Os bipes e tiques começavam a se abafar, sucedidos por mais e mais ruídos brancos. Eram como toques na porta. Não eram desagradáveis, e muito menos altos e agudos, mas foram o suficiente para alertar Caitlyn de que deveria acordar logo.

22 de Novembro de 2021, cidade de Piltover.

- Que inferno...?! - O praguejar da morena deu passagem a um grande suspiro, recuperando o fôlego e levantando a cabeça como se tivesse levado uma pancada das boas. As costas doloridas denunciavam sua noite mal dormida, com as mãos apoiadas em livros, post-its e folhas cortadas na escrivaninha de seu próprio quarto. Havia pego no sono enquanto terminava o trabalho do colégio, de novo.

Claro. Os bipes e tiques vinham do seu toque de celular, sua música favorita que - de repente - tornou-se a que mais lhe irritava, e os toques suaves vinham da porta, pela empregada gentil que a costumava acordar nos últimos casos. Pensou uma ou duas vezes antes de pegar o aparelho, ainda um pouco anestesiada do sono. Era Jayce, ligando em plena sete e quarenta da manhã de um sábado.

Ou seria quinta-feira...?

- Bom dia, flor do dia! Não vem na aula hoje? - Sua voz alta saía do alto falante. Parecia embaralhada pela preguiça matinal, mas agitada como sempre.

- Num sábado? - Caitlyn coçou os olhos, procurando pelo calendário que costumava pendurar na frente da escrivaninha. 22 de Novembro circulado por uma caneta vermelha.

- Dã, não...? É quinta-feira, Cait. - Uma pausa na conversação preocupou o rapaz no outro lado da linha. - O jogo da True Damage é, tipo, daqui há dois dias! E tem o trabalho do professor Singed hoje...Cait, você 'tá na linha? Alô?

Como poderia ter esquecido disso? Caitlyn largou o celular na mesa mais violentamente do que deveria, correndo para seu armário, deixando um Jayce confuso falando sozinho com um celular. Era para ter acordado há, mais ou menos, uma hora atrás. A morena nunca, em anos de estudo, havia se atrasado tanto para a escola quanto naquele dia, e xingou-se mentalmente enquanto vestia o uniforme apressadamente.

De uns tempos para cá sua noção de espaço e tempo frequentemente falhava em acompanhar a rotina pesada da Academia. No final do ano letivo da faculdade tudo se tornava 80% mais intenso e desafiador, com um bônus dos hormônios a flor da pele, então agradeceu aos céus por ter terminado o trabalho há tempo de grampear suas folhas e amarrar o laço esquisito do uniforme no pescoço; para só assim agarrar o telefone antes de esquecê-lo para trás.

O finalzinho de novembro trazia consigo uma brisa gelada na maioria das manhãs, e Caitlyn, teimosa, decidiu que não se atrasaria nem mais um pouco para pegar o casaco pendurado na porta do quarto. Quase deslizou pelo corrimão da escadaria, enquanto apoiava o celular entre o ombro e o ouvido.