𝐂𝐫𝐨𝐰𝐞𝐝 - 𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟑

335 43 0
                                    

Eu sei algumas coisas sobre dor

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Eu sei algumas coisas sobre dor. Eu sofri de uma parte justa. Infligi uma parte justa. Estou tão acostumado com a sensação que não me incomoda mais.
Mas levar um tiro é sempre uma vadia. Uma névoa envolve minha cabeça. Aperto uma vez, duas vezes, mas não desaparece. De qualquer forma, a névoa se espessa e a tontura me assalta. Eu arranco o IV do meu braço. Ele cai no chão, uma poça se forma em torno dele. As paredes do hospital se transformam em uma auréola incomparável.

Porra.

Eu tenho que fugir daqui antes de perder a consciência novamente. A enfermeira no final da minha arma permanece imóvel como uma prancha. Sem movimentos. Sem som. Nem tremendo. Se alguma coisa, ela está ligeiramente inclinada para mim.

Estranho.

Mesmo que minha ameaça fosse de algum modo convincente, o que é milagroso considerando as circunstâncias, como é que ela não está assustada? Ela deveria estar tremendo de medo. Meu olhar se estreita no topo de seus cabelos castanhos amarrados em um coque limpo. Não. Não é um movimento sangrento. Não sei se devo me surpreender ou me irritar por ela não dar nenhuma reação. A dor atinge meu ombro. Eu assobio, rangendo os dentes. Minha garganta está azeda. O frio envia um calafrio pelo meu corpo, apesar do suor que cobre minha pele. Eu preciso sair daqui. Mas primeiro.

- Morfina,- resmungo, mantendo um pouco de firmeza em qualquer objeto pontiagudo que peguei no carrinho.

A enfermeira continua sua pose de estátua como se não tivesse me ouvido. Outra onda de tontura quase me derruba. A dor pulsando no meu tronco faz com que a inconsciência pareça tão próxima que posso sentir a escuridão que envolve minha visão. Empurro a arma ainda mais no pescoço da enfermeira até senti-la engolir contra o metal.
Finalmente. Uma reação. Eu estava começando a me perguntar se estou tendo alucinações e acabei sequestrando uma porra de uma estátua.

- Eu disse morfina.

Como se eu não estivesse segurando um objeto pontiagudo no pescoço, a enfermeira se virou para me encarar tão abruptamente que quase cortei sua garganta por acidente. Eu amaldiçoo minha lesão e falta de reflexo por não a forçar em seu lugar. Uma gota de sangue percorre a pele pálida translúcida do pescoço e encharca a barra da gola da blusa, mas nem um pingo de medo atravessa seus pequenos traços. Se alguma coisa, seus enormes olhos verdes me olham com uma sensação de... aceitação? Aceitação entorpecida. Não importa quão grandes sejam seus olhos de corça, eles não mostram sinais de vida. Eu nem tenho certeza se ela está me vendo ou passando por mim.

O que diabos é essa enfermeira?

As rodas em minha mente ganham vida, apesar da nebulosidade. Ela foi enviada para terminar o trabalho que o traidor não conseguiu? Eu examino sua pequena estrutura em busca de qualquer protuberância de arma em seu uniforme ou qualquer movimento.

Negativo.

Se ela fosse uma assassina, não me deixaria surpreendê-la dessa maneira. Ainda assim, se não estiver, ela já teria lutado ou tentado fugir a essa altura. Lutar ou fugir. Esse é o instinto humano. Ela nem gritou por ajuda. Tudo o que ela faz é me encarar com expectativa, como se estivesse me pedindo para fazer alguma coisa. Qualquer que seja essa porra.

𝐓𝐄𝐀𝐌 𝐙𝐄𝐑𝐎 | 𝐁𝐀𝐍𝐆𝐓𝐀𝐍𝐏𝐈𝐍𝐊Onde histórias criam vida. Descubra agora