Capítulo 1 - Novos ares.

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CAPÍTULO 1

A viagem de avião foi mais longa do que eu esperava. E a primeira classe fedia a vômito de criança. Me levantei e pedi educadamente que a aeromoça trocasse meu assento. Minha cabeça doía, e para mim, os barulhos eram ensurdecedores. Era choro de bebê, conversas e luzes de celular refletindo na minha cara no meio da noite. Eu já deveria estar acostumada depois de trabalhar anos no departamento de polícia. Aguentando toda a correria e as vozes o dia todo. Mas depois daquele acontecimento, até mesmo eu, a pessoa com o caráter mais puro e de paciência extremamente invejável não suportava mais.

Me sentei nas últimas cadeiras e suspirei quando o cheiro e os sons amenizaram consideravelmente. Mas um novo odor deslizou pelo meu nariz e eu olhei para o lado quando reconheci aquele cheiro. Havia uma mulher dormindo. E ela tinha... O mesmo cheiro de um sanguíneo. Um felino, talvez? O cheiro era adocicado e ácido como o de um. Eu agradeceria por isso.

Ela abriu os olhos quando inclinei meu banco. Eu estava morrendo de sono e ainda faltavam algumas horas até eu chegar em Anchorage no Alasca.

— Oh. — Ela sussurrou bem baixinho quando me notou.

Sim, oh.

Pedi a Deus que ela não fosse uma daquelas tagarelas. Porque eu estava cansada e psicologicamente instável no momento. E não é como se eu já não tivesse lidado com outros sanguíneos na delegacia. Os canídeos eram os que mais davam problemas.

— Desculpa senhorita, pedi para trocar de lugar. Estava um barulho e um fedor infernal lá na frente. — Informei a ela.

— Sem problema. Eu sei como é. Em viagens assim, escolha os últimos assentos. O ar fresco e limpo normalmente sai aqui dos fundos. — Eu não sabia disso.

— Obrigada pela dica. — Fechei os olhos e me acomodei. Pude ouvir quando ela farejou devagar, tentando identificar o meu cheiro com o máximo de discrição possível. Não era algo anormal entre nós, no entanto.

— Desculpa, mas... — Ouvi sua voz baixa e suspirei.

Lá vai a pergunta de sempre.

— O que você é? — Sussurrou. O que normalmente não acontecia. A maioria dos sanguíneos que eu encontrava arfavam surpresos e faziam expressões exageradas de espanto. Nos mais diversos tons de voz, menos os baixos.

Éramos poucos na nossa sociedade. Equivalíamos aproximadamente a 2% da população mundial. E eu, eu equivalia a aproximadamente 0,0001%. Provavelmente 7.000 indivíduos da minha espécie em todo o mundo. Não era de se admirar o espanto todas as vezes que sentiam meu cheiro.

— Quer dizer, eu sei o que você é, mas... é diferente. — Voltei a olhar para a mulher de cabelos loiros e pele bronzeada. A informação do que eu era, normalmente eu não gostava de compartilhar. Apesar de não saberem da nossa existência, já me deparei com vários casos de assassinatos recorrentes de sanguíneos.

Há organizações que repudiam a nossa raça e fazem de tudo para ganharem sobre nós. Pregam e disseminam o ódio entre aqueles que sabem e se infiltram onde podem para nos alcançar. Quanto mais eu me mantivesse de boca fechada, mais segura eu estaria. E os outros também. E esse foi um dos motivos para eu entrar para essa profissão. Servir e proteger.

— Sou só um felino grande. — Dei um sorriso para ela e voltei a fechar meus olhos.

Os felinos grandes eram comuns para os sanguíneos. Não a minha espécie, mas não diria nada além disso. Ela ia ter que se contentar com a minha resposta.

E a mulher permaneceu sem mais perguntas depois que me calei. Provavelmente percebendo meu estado sonolento e introvertido. Sendo assim, o resto da viagem correu suficientemente silenciosa e pacífica.

Sanguíneos: Listras, Dentes e Instinto.(Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora