Capítulo 21 - Não mais ninguém

130 13 13
                                    

Eu me sentia zonza desde a discussão com minha mãe. Acabei no único lugar que eu poderia ir, o mais próximo que sentiria do meu pai nesse momento. Eu diria uma desculpa que estava ali por preocupação. Até era, mas não só isso. Queria poder ouvir um tom velho, mas que tinha a mesma cadência do meu pai. O homem que exibia a mesma aura suave e de quem ele havia herdado o seu sorriso.

Meu avô não estava no quarto dele. Assim que o procurei, fui informada que ele tinha escapado para a biblioteca e foi exatamente lá que o achei, segurando um livro de história que montava a genealogia dos governadores de Atra.

― Vô? ― sussurrei com a voz falha, sem saber se ele queria companhia no momento.

Ele levantou seus olhos do livro, bolsas profundas e escuras de olheiras que carregavam o luto profundo sobre si. Suas rugas mais proeminentes lhe haviam envelhecido uns dez anos. Contudo, ainda assim, ele sorriu e esticou sua mão para mim, seus olhos brilhando de lágrimas ao me ver.

Eu corri para seus braços, agarrando-o. Meu nariz aspirou com força, tentando achar nele qualquer vestígio do cheiro do meu pai e não encontrando. As lágrimas caíram silenciosamente e pelo meu ombro molhado, eu sabia que as dele jorravam também. Após alguns minutos aconchegados, eu afastei e o encarei. O homem que carregava tanta tristeza e que ainda conseguia ter força para olhar para mim de uma forma doce e cravar um sorriso no rosto.

Meus olhos varreram o que ele fazia e notei onde o dedo dele estava parado, ainda com o livro em mãos. Seus dois filhos, ambos mortos. Como seria para um pai passar por tamanha devastação?

Ele virou o rosto, também olhando para o mesmo local, seu indicador acariciando o nome dos filhos e da falecida esposa.

― A gente preza pela vida, mas eu sinto que vivi por tempo demais... ― murmurou.

― Nem se atreva dizer uma coisa dessas ― refutei, cravando minhas mãos em seu braço, como se impedisse que ele fosse a qualquer lugar. ― Eu não suporto nem pensar...

― Aysha ― ele suspirou, cansado. ― A vida nos faz suportar muito mais do que pensamos que podemos aguentar. Quando perdi sua avó... ― Ele engoliu em seco. ― Eu achei que não teria como passar por isso. Mas passei. Tinha dois filhos para criar, eles foram minha luz. Até eu perder Harry. ― Sua voz tremeu. ― Isso me devastou. A forma como aconteceu... ― Outro gole em seco e seus olhos brilharam novamente. ― Mas eu tinha Enrico, meu doce menino. Sempre fui forte por ele. Mas agora... eu estou tão cansado, minha pequena. ― Ele passou os dedos por meus cabelos, acho que tentando achar partes de mim que lembrava seu filho, assim como procurei meu pai nele. ― Não há mais ninguém.

― Você tem a mim ― sussurrei.

Ele apenas elevou o lábio, mas seus olhos eram pesados, tão tristes. Eu não sabia se algo ainda seria suficiente para manter meu avô conosco.

― Você é uma boa menina, Aysha.

― Eu já sou uma mulher, vô ― tentei trazer desconforto a tanta tristeza ao brincar.

― Você é. ― Sorriu novamente. ― Seu pai tinha tanto orgulho de você. Sua doce menina.

Seus olhos embargaram enquanto analisava demoradamente todo o meu rosto.

― Queria que minha mãe também pudesse ver o mesmo. ― Ele deu uma risadinha em meio às lágrimas.

― Eleanor tem uma forma diferente de demonstrar suas emoções, mas você precisa saber uma coisa sobre sua mãe, menina. Ela luta com unhas e dentes pelos seus e se seu pai conseguiu ver tudo isso por baixo da muralha que ela construiu ao redor de si, você também pode.

O Peso da Coroa | HIATUS |Onde histórias criam vida. Descubra agora