Ela era como vidro partido. E eu não podia deixar de pisar os cacos.
Acho que tudo começou quando a conheci. Eu era um playboy, andava com tantas raparigas, não sabia bem o que andava a fazer. E depois ela apareceu. E do nada ela tornou-se tudo. E senti vontade de cuidar dela.
Mas é impossível cuidar de alguém quando a pessoa não cuida dela própria. E ela não tomava o mínimo cuidado nas suas decisões.
Não olhava antes de atravessar a rua, sentava-se nas linhas do comboio para espairecer, era perfeitamente inconsciente e perigosa, e estar com ela era como ser toxicodependente. Ela era a minha cocaína: perigosa e viciante. Completamente viciante.Acho que me apaixonei por ela, pelo cabelo castanho escuro, quase preto, pelos olhos azuis penetrantes que fariam apaixonar qualquer um, pela beleza excepcional dela. E ela apaixonou-se por mim, mesmo sem se amar a ela própria.
Mas eu não era capaz de cuidar dela. E isso fez-me querer deixá-la. Odiei-me por isso, mas queria deixá-la, e ela sabia. Sabia perfeitamente que era impossível tomar conta dela.Devia ter cuidado dela como quis logo que a vi.
No dia em que tomei a decisão de a deixar, cheguei a casa para tirar as minhas coisas do apartamento. Estava tudo silencioso. E eu pressenti que algo estava mal.
Cheguei ao nosso quarto, o quarto onde já tínhamos sido tão felizes, e vi-a. Estava deitada na nossa cama, muito pacífica, quase como a dormir. Mas não estava a dormir. Ao lado, tinha um frasco de comprimidos vazio, e os pulsos exibiam cortes de todos os estilos, por cima das veias. Na mesa de cabeceira, uma carta completamente manchada de sangue. Morri por dentro mal vi uma cena tão macabra como esta."Sei que não me queres mais. Desculpa.
Desculpa os meus demónios serem algo que te incomode. Desculpa ser imprudente. Desculpa por tudo. Mas é insuportável. As vozes não se calam, eu preciso de ir embora. Eu preciso de acabar com isto.
Desculpa a carta não ser o que esperavas. Já perdi bastante sangue e estou tonta. Tenho de tomar os comprimidos antes que desmaie.
Amo-te.
E desculpa."