Estou voltando do Hospital Miguel Couto. Acabo de deixar o esquisito com os médicos. Furtado foi direto para a delegacia, pois Carlos nos chamou para uma reunião urgente. Comentei com Furtado que esperaria o doente voltar ao normal, para fazer algumas perguntas. Rubens reclamou, como sempre, mas deixou eu fazer o meu trabalho.
Enquanto dirijo, sempre lembro de meu marido e nossa filha, Sophia, de 3 anos. Muito bela e inocente para o mundo que decidi participar. Sempre foi algo mais forte do que minhas outras vontades. Até mesmo, constituir família. Pensei, quando mais novo, em ser médico, mas quando eu passei no vestibular para a UFRJ, na época, lembrei de uma característica forte da minha pessoa: eu sei lidar com a morte, não com a vida.
Decido estudar Direito na UFRJ, onde eu conheci meu marido. Oliver, alto, com olhos verdes escuros, magro e um apaixonado por filosofia e direito criminal. Começamos a namorar no quinto período e nos casamos logo depois da formatura. 5 anos depois, trabalhando como investigador assistente do policial Furtado, Oliver e eu decidimos adotar nossa pequena Sophia. Mas, por quê sempre lembro disso tudo enquanto dirijo?
Será que tenho alguma relação com esse carro velho? Uma criatura de ferro, e com 4 rodas, sendo minha psicóloga. Que irônico. Começo a rir sozinho. Saudades de rir sozinho. A risada vai abaixando, quando começo a me lembrar da ordem de Furtado para levar algo sobre a puta morta e o louco, que se encontra tetraplégico no Miguel Couto.
Minha memória é fotográfica para aquilo que me interessa. Lembro dos trechos mais importantes de seu diário. Lorraine escrevia de forma rebuscada, nem parecia uma prostitua. Falava de sonhos, família, amizades, amores, não sabia que uma puta podia transformar uma vida de merda em algo poético.
Me sinto um imbecil, como Rubem. Imagina a situação: Sou morto por alguém, Rubem investiga meu marido e minha casa. Encara minha pequena Sophia com nojo, e olha nossas fotos. Uma família feliz. Rubem começa a rir de forma debochada, com sua pança de Chopp e seus óculos sujos. Rubem solta o comentário: "Não sabia que bichas podiam ter uma vida tão poética.". Não, ser igual a algo como esse homem, não vai acontecer.
Volto ao foco sobre Lorraine. Falta poucos quilômetros até a delegacia e lembro de alguns parágrafos soltos:
Lorraine: "Acordo com meu corpo ensopado de suor e me levanto. Ao chegar na cozinha, escuto a cortina da sala batendo em minha janela. Quando chego na sala, se encontra, em meu sofá, uma máscara branca, com um rosto macabro. Penso que é de algum cliente, mas sempre limpo a casa para garantir que não esqueceram nada. Ser uma puta é algo complicado, mas fica foda quando o playboy, que nem te comeu direito, esquece qualquer coisa e me culpa de roubo. Essa máscara não é o caso."
Lorraine tinha a máscara em sua residência. Comecei a levantar a hipótese de que alguém ter pego a máscara no cômodo do apartamento e ter cometido o assassinato. Mas o culpado deixaria a máscara no local do crime? Deixar a máscara para a polícia pegar? Não faria o menor sentido, principalmente pela forma que o crime foi cometido. Não é um indivíduo, que, simplesmente, entrou e matou para pegar dinheiro. Sem contar que, a vítima é uma prostituta. Não conseguiria considerar nem um caso de relacionamento abusivo, resultando em assassinato. Lembro perfeitamente do parágrafo que Lorraine fala de uma visita inusitada de Rosinha.
Lorraine: "Estive em casa, o dia inteiro, completamente sozinha. Desmarquei 7 dos meus clientes e, o último de ontem, ainda teve a cara de pau em falar que 'preciso de um trato'. Único trato que preciso é tirar essa merda de máscara daqui. Desde que a coloquei, só para ver como ficava em mim, a desgraçada não sai da minha casa. Taquei fogo, quebrei e tentei até vender na internet. A peste sempre volta para o mesmo lugar que a encontrei na primeira vez. Rosinha apareceu de tarde e a implorei para levar a máscara com ela. 'Você perdeu cabelo, peso e seus olhos estão amarelando desde que essa máscara chegou na sua casa. Você acha que eu sou louca?'. O pior, é que a vagabunda estava certa."
Fiquei incomodado por um tempo depois desse parágrafo. Pois me parecia que Lorraine estava passando por algum surto psicótico. Cogitei a ideia da máscara ter alguma droga sintética que Lorraine estivesse utilizando. Mas a perícia do corpo me informou que não foram encontradas substâncias químicas no corpo da vítima. 1 passo para frente e 5 para trás.
Lorraine: "Meus dentes estão caindo e sinto meu corpo como seu fosse um copo de bar na ponta da mesa, contando os segundos para quebrar. Meu apartamento esta com um cheiro de acetona com esgoto. Sem contar que, se alguém ler o 'que vou dizer agora, vai me achar louca. Foda-se, não devo passar de dois dias. O apartamento esta completamente coberto por uma sombra. Parece gosmenta, mas não consigo senti-la. Escura, mas não a ponto de eu não conseguir ver meu próprio apartamento . Como um infinito véu negro. As comidas apodreceram, assim como eu. Quando grito, infinitas bocas saem da sombra e gritam de volta, com infinitos rostos. Mas a cara daquela desgraçada, continua lá. Eu vou morrer, e esse rosto vai ser o último que vou olhar. Só queria minha mãe, mãe..."
"Sombra". Me lembro de quando era criança e brincava fazendo sombras com o sol em minhas costas. Mas, só conseguia agarra-la quando abraçava o muro. Só é possível pegar uma sombra quando se entrega, totalmente, a ela. Talvez um raio de sol poderia ter te salvado, Lorraine. Nenhuma sombra vai tocar na minha pequena Sophia. Nem que eu puxe todas as estrelas do céu. Essa sombra não vai te tocar. Meu deus, oque está acontecendo?
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Máscara Oni
HorrorNa cidade do Rio de Janeiro, a polícia começa a investigar ocorridos que beiram ao absurdo e ao incompreensível. De corpos completamente destroçados, a pessoas que perderam a noção da realidade e começaram a cometer assassinatos sem nenhuma motivaçã...