Espero ansiosamente por Rubem e Waldo, mesmo sabendo que a reunião vai atrasar. Rubem deve chegar mais cedo, mas depois de fumar alguns cigarros para descansar. Dois casos, um seguido do outro, deixa qualquer um exausto. Ver muito sangue e gente morta é igual a ver os notícias passando na TV em canais e horários diferentes. As pessoas são e falam de forma diferente, mas as notícias são muito parecidas, ou iguais. Você começa a sentir seu corpo mais pesado e inquieto. Pego o controle remoto, desliga a televisão.
Nessas horas queria desligar. Que nem o Adam Sandler naquele filme, "Click". Lembro do Sandler querendo acelerar tudo. Qual o sentido disso? Porque eu ia acelerar o tempo? Gostaria de voltar, mas só como espectador. Sentir a nostalgia no seu estado perfeito; a contemplando, e mais nada. Hoje, ou ontem, não sei. Noite e madrugada confundem tudo na minha cabeça. Hoje, eu pegaria o controle da mão daquele retardado do Adam Sandler, e apertaria o botão de desligar. Não pensaria duas vezes. Apagaria, apagaria o Waldo, apagaria Rubem, apagaria a cidade inteira, me apagaria...
Mas não me encontro em uma televisão. Não sou o Adam Sandler. Não tenho controle remoto. Mas se nem Deus tem controle sobre nós, como eu poderia ter? Decido acordar de meus sonhos infantis. Começo a andar em direção ao banheiro para trocar a camisa pela quarta vez. Tive que pegar uma camisa do faxineiro emprestada. Caetano, um faxineiro gente boa, trabalha no recinto a muitos anos, me emprestou uma camisa do Vasco. Eu não sou um forte amante do futebol, mas comentei se ele não tinha a camisa de algum time bom, pelo menos. Caetano começou a rir e chegou mais perto de mim:
-O senhor Carlos, se eu fosse você, respeitaria o time da minha família. Porquê, pelo jeito que o senhor esta, vai ter que pedir para os seus colegas.
Caetano sabia que não gostava de aparecer muito suado na frente da equipe e reparou na minha camisa, que tinha o desenho do suor descendo das minhas axilas, até a cintura. Eu paro de fazer comentários idiotas sobre o Vasco e pego a camisa daquele vascaíno filho da puta.
Entro na sala de reuniões. É uma sala completamente acinzentada, com uma mesa retangular no centro e 6 cadeiras distribuídas para os 4 lados da mesa. Um pequeno apoio no canto direito na sala, colado na altura dos ombros, com um café e biscoitos duvidosos. O café esta frio? Esses biscoitos não estão na validade, provavelmente.
Decido pegar a cadeira e sentar perto da mesa de centro. Percebo que meu celular vibrou 4 vezes seguidas enquanto estava ajeitando meu corpo com a cadeira, me posicionando de forma vertical com a mesa. Pego o meu celular, com a tela quebrada e muito arranhado na parte de trás. Culpo as chaves por essa obra de arte abstrata, e desbloqueio o celular para ver se é o Waldo ou Rubem querendo me avisar algo sobre a reunião, ou novidade sobre os dois casos.
Mensagem de Waldo:
-Carlos, estou te mandando o áudio do interrogatório com Rodrigo Terra. O doido que encontramos no apartamento com as vítimas, a filha e a mulher.
-Escute antes da reunião começar. Não sei como esse cara conseguiu falar de forma clara depois do que ele me contou. Como esse indivíduo sofre esse estrago, e consegue falar calmamente sobre o que aconteceu. Nem parece que acabou de perder a mulher, a filha e estar tetraplégico.
Mensagem de Carlos:
-Espera. Que história é essa de tetraplégico?
Waldo não me responde mais além de ter enviado um áudio longo, provavelmente o interrogatório. Rubem não chegou ainda. Ligo para ele algumas vezes , mas as ligações não chegam nem a chamar. Decido escutar o interrogatório, aperto para o áudio começar.
Waldo: Aqui fala Waldo de Castro, estou interrogando o homem, cujo o nome é "Rodrigo Terra". 34 anos; nascido no Rio de Janeiro; Casado com "Maria Terra" e pai da recém nascida, "Gloria Terra". Rodrigo, o senhor se encontra ciente do estado físico e mental?
Rodrigo: Sim.
Waldo: O senhor se lembra do que aconteceu com sua mulher e sua filha? E como aconteceu?
Rodrigo: Sim. Começo te avisando que o resultado do que aconteceu hoje, com as duas pessoas que mais amei em toda a minha vida, é consequência de algo que aconteceu por meses.
Waldo: Fique a vontade para falar.
Rodrigo: Nosso apartamento é muito pequeno, como você e sua equipe devem ter reparado. Estávamos buscando novas opções pela Zona Sul da cidade. Ser pai de primeira viagem é algo meio desesperador , mas sempre fui metódico. Maria e eu buscávamos um apartamento que fosse maior, com um quarto a mais para Gloria, e que fosse perto de alguma escola. Rio de Janeiro é uma cidade perigosa, não queria minha filha andando, sozinha, da escola até nosso apartamento por muito tempo. Um dia, no qual não me recordo a data exata, estava olhando um apartamento em Copacabana. Me lembro que tentei barganhar um preço mais acessível, só o condomínio era 2 mil reais.
Waldo: Por que não procurou algum apartamento em outras regiões do Rio?
Rodrigo: Como eu disse, prezo muito pela segurança da minha família. Não cogito a ideia de colocar minha família nesses lugares de baixo nível. Perto de traficante, milícias, favelados em geral. Essa raça não presta, já viu oque eles fazem as mulheres?
Waldo: Sim, nós vemos isso de forma rotineira. Mas o senhor é um espécime raro. Não é comum encontrar alguém que, provavelmente, foi culpado por deixar um crânio de uma recém nascida pela metade de tanto bater sua cabeça na beirada da pia. E, de acordo com meus colegas, que o culpado fez isso agarrando suas pequenas pernas e a tratando como se fosse um chicote de carne. Essa raça... essa raça é ruim. Não acha?
Rodrigo: Como você fala assim comigo? Você é um policial, deve ter o mínimo de postura. Eu sou uma vítima nessa história toda.
Waldo: Rodrigo, você pode estar tetraplégico. Mas, alguma vez, sentiu alguém ficar mexendo o dedo indicativo em sua vertebra ferida?
Rodrigo: Oque você quer dizer com is...
O áudio sofre um intervalo de 3 segundos. Ao retomar, Rodrigo se encontra em silêncio, enquanto Waldo senta na cadeira velha e barulhenta , que se encontra no quarto do paciente.
Waldo: Retomando. Rodrigo vai dizer exatamente o que aconteceu, até o nosso primeiro encontro em sua residência. certo?
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A Máscara Oni
TerrorNa cidade do Rio de Janeiro, a polícia começa a investigar ocorridos que beiram ao absurdo e ao incompreensível. De corpos completamente destroçados, a pessoas que perderam a noção da realidade e começaram a cometer assassinatos sem nenhuma motivaçã...